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ISSN 2238-7706

SUPER

Uni

Ano 2– n°2 – janeiro a junho de 2013

Mulheres

e organizações masculinizadas

Em Busca de um Espaço Organizacional Propício à Convivência Harmônica Entre Homens e Mulheres

Ano 2– n. 2 – janeiro a junho de 2013 Brasília – DF – Brasil

Publicação trimestral pela Faculdade Mauá de Brasília

ISSN 2238-7706

A SuperUni é especializada na publicação de material científico da comunidade acadêmica do Distrito Federal Instituto Mauá de Pesquisa e Educação Ltda Setor Habitacional Vicente Pires, Rua 4-C, ch. 12, CEP:72110-600 Taguatinga – Brasília – DF Tel: (61) 3397-5251 Endereço eletrônico: [email protected]

janeiro a junho de 2013

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Expediente Faculdade Mauá de Brasília (MAUÁDF) Diretora-Geral Dilcia Teles Lima Editores Chefes: lFelipe Alves Leitão Faculdade Mauá de Brasília Rogério Emiliano de Assis Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal/Faculdade Mauá de Brasília Editores Internos: lAlfredo Neto de Jesus Luz Faculdade Mauá de Brasília Antônio Ferreira Lima Faculdade Mauá de Brasília Editores Externos: Douglas de Assis Teles Santos Universidade do Estado da Bahia/UNEB Maria Aparecida de Assis Teles Santos Instituto Federal de Goiás/IFG Neuda Alves do Lago Universidade Federal de Goiás/UFG Conselho Consultivo Letras Roseli Pioli Zanetin Faculdade Anhanguera/São Paulo – Doutora Augusto Luitgards Universidade de Brasília - UNB – Doutor Administração Rubem Boff – FAE Faculdade das Águas Emendadas - Doutor Alceu de Amorim Von-Held IESB/Brasília - Especialista Sérgio Roberto Porto de Almeida Doutor Direito Analice Cabral – Especialista Faculdade Mauá de Brasília Educação Física Arilson Fernandes de Sousa - Mestre Faculdade Mauá de Brasília Marcus Tulius de Paula Senna – Mestre Faculdade Mauá de Brasília Diagramação e arte Jovailton Vagner

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Informações Gerais Este periódico é especializado na publicação de material científico de autoria de graduandos, de profissionais e de docentes vinculados à Faculdade Mauá de Brasília ou a outras instituições de ensino superior, interessados na divulgação de sua produção acadêmica. O conteúdo dos artigos não representa, necessariamente, os pontos de vista dos organizadores. janeiro a junho de 2013

Sumário

Educação Física

página 6

A História da Educação Física no Brasil: Cronologia e inserção da disciplina como componente curricular na Escola Aslan Lima da SILVA Emille Camila de Oliveira SANTOS Giselle Batista SILVA

Administração

página 10

Mulheres e Organizações Masculinizadas:Em Busca de um Espaço Organizacional Propício à Convivência Harmônica Entre Homens e Mulheres Antônio Ferreira LIMA

Letras

página 19

Os Ecos Românticos no Regionalismo-Naturalista de Rodolfo Teófico Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS Jorge Alves SANTANA

Letras

página 28

Autoestima e Sala de Aula: Algumas Considerações Rogério Emiliano de ASSIS

5 janeiro a junho de 2013

A história da Educação Física no Brasil: Cronologia e inserção da disciplina como componente curricular na Escola Aslan Lima da SILVA Graduando em Educação Física – Universidade do Estado da Bahia Emille Camila de Oliveira SANTOS Graduanda em Educação Física – Universidade do Estado da Bahia Giselle Batista SILVA Graduanda em Educação Física – Universidade do Estado da Bahia

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O contexto histórico da Educação Física no Brasil é marcado por um entrelace com a história do esporte e o aspecto politico vinculado a épocas específicas do desenvolvimento brasileiro. Por vezes a Educação Física foi utilizada como instrumento político, hora no contexto da promoção da saúde de trabalhadores e militares, hora por alienação para a mudança do foco da atual situação política do país. O objetivo desse estudo é relatar e discutir acontecimentos históricos a cerca da Educação Fí-

sica no Brasil no que tange a inserção e aceitação dessa como componente curricular nas escolas sobre o prisma de autores que fizeram dela uma disciplina relevante na formação do indivíduo. Busca-se compreender a transição da identidade antes higienista e laboral para área de conhecimento da cultura corporal. Trata-se de uma revisão narrativa desde a reforma educacional envolvendo a revisão dos conteúdos ministrados pela Educação Física até a sua aplicação nos dias atuais. janeiro a junho de 2013

Educação Física Introdução A História da Educação Física no Brasil desde o seu primeiro momento tem se confundido com a história do esporte, com a cronologia histórica geral do país e sua inserção como componente curricular nas escolas foi marcada por sua iniciação em um período bastante conservador. Foi uma disciplina apresentada inicialmente pelos soldados de D. Leopoldina, imperatriz do Brasil. Inicialmente foi instrumento de discriminação racial, de gênero e de classes social e que ao longo dos anos venceu todas essas barreiras e se tornou uma área de conhecimento disponível a ser praticada e estudada por todos. É uma evidência que a Educação Física foi utilizada como uma arma política de manipulação, algo que Castellani Filho (1988) em sua Obra, “A Educação Física no Brasil – A História que não se conta”, tenta combater e reescreve a História da Educação Física no Brasil, politicamente mais neutra. Como objetivo, busca-se passar o conhecimento dessa mesma história de forma que se possa entender a sua verdadeira identidade e a sua representação real no cenário educacional e toda sua dimensão temporal ideológica construída em cima de suas próprias tendências e configurações, sem toda aquela confusão cronológica que é com a história do esporte, desde sua apreciação com a ideologia que se confundia com as práticas militares e de como era vista como a preparação do trabalho, até o seu caráter disciplinar propriamente dito.

Metodologia Trata-se de estudo qualitativo, caraterizado por ser uma revisão narrativa, definida por Cordeiro et al. (2007, p.429-430) por [a]presentar uma temática aberta; dificilmente parte de uma questão específica bem definida, não exigindo um protocolo rígido para sua confecção; a busca das fontes não é pré-determinada e específica, sendo frequentemente menos abrangente. A seleção dos artigos é arbitrária, provendo o autor de informações sujeitas a viés de seleção, com grande interferência da percepção subjetiva.

Cronologia da Educação Física como componente Curricular no Brasil A Educação Física foi inserida no Brasil como componente curricular na Época de Brasil Império, mais precisamente em 1851, com a lei de nº 630, defendida por Rui Barbosa, que incluía a ginástica como janeiro a junho de 2013

componente curricular nas escolas primárias e secundárias e era dada de forma obrigatória sendo praticada 4 vezes por semana durante 30 minutos. Até os Anos 60, na época do Brasil como república, a Educação Física foi estruturada e houve a criação das divisões da Educação Física e do Conselho Nacional de Desportos. Nos anos 70, a ditadura militar marcou bastante a Educação Física, utilizando-a como propaganda de governo e todos os seus ramos voltados para os esportes de alto rendimento deixando de lado os fins educativos que ela se propunha. (MORAES, 2013). Nos anos 80, a Educação Física passou por uma crise existencial, pois os esportes de alto rendimento estavam atraindo patrocinadores que apostavam em funcionários atletas para serem campeões da equipe de suas empresas. Nos anos 90, a Educação Física passa a ser encarada como uma disciplina que trás o esporte como educação, participação, desempenho e finalmente é regulamentada como profissão na qual o profissional carrega a competência de mediar e conduzir todos os processos envolvidos nessas práticas (MORAES, 2013).

As raízes da Educação Física na cultura escolar O ponto de partida para a reforma do ensino e o enraizamento da Educação Física foram dados no estado de Minas Gerais. Em 1906, essa nova cultura escolar veio a substituir o antigo regime de ensino existente caracterizado por turmas únicas dirigidas por apenas um professor que recebia sua remuneração e que era responsável por ministrar um conteúdo multidisciplinar, modelo posteriormente criticado por ser inoperante na formação do indivíduo e não ter um controle do estado. Com essa reforma, o sistema público de educação primária de Minas Gerais experimentaria então um processo de racionalização que visava dar conta de suas tarefas cada vez mais amplas e complexas, tendo “como finalidade última racionalizar o conjunto do social” (Faria Filho, 1995, p. 96). O advento desse novo molde escolar tem em vista responder à expectativa de formar aqueles que seriam os cidadãos republicanos - civilizados, de maneiras amaciadas, disciplinados, sadios e trabalhadores ordeiros -, que assim poderiam contribuir para o desejado progresso social (Vago, 1999, p.32).

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Educação Física No texto que era composta a reforma de 1906 e que já era ministrado nos “templos de ensino” inicialmente o “Exercícios Physicos” era apresentado sob o primado da regeneração de raça, havia distinção entre meninos e meninas e que necessitava da prescrição de um programa específico para garantir que o objetivo de corpos limpos e robustos seria alcançado. Essa reforma também promoveu a escolarização, e toda essa obrigatoriedade trouxe uma importância para o estudo de tal disciplina, trazendo raízes para a Educação Física na cultura escolar. Porém, esse processo de reforma não foi homogêneo e sua intervenção na formação humana era vista sobre muitos aspectos, entre eles, como uma domadora de corpos, terapia psicomotora e até mesmo promotora da saúde. (VAGO, 1999). O conhecimento na área a partir daí foi dado através da realização de encontros, congressos para a discussão dos temas, programas de especialização que buscavam problematizar, produzir e ampliar fontes que dessem a base para essa qualificação. (VAGO, 1999).

A Educação Física no currículo escolar desde sua instituição até os dias atuais A primeira Lei de diretrizes e bases da educação nacional Nº 4024 foi promulgada em 1961 e estruturava a educação como: educação primária (com objetivo de recreação e que era os primeiros quatro anos da vida escolar), o quinto ano e o ginásio (composto também de quatro anos). Logo após isso havia os cursos técnicos, curso de formação de professores, dentre outros. Dentro dessa estrutura, as aulas de Educação Física ministrada pelos regentes “dada suas bases científicas, é atualmente considerada como um aspecto de educação geral, oferecendo valiosa contribuição ao educando” (Programa da Escola Primária de São Paulo, 1967:59). Em 1971, a lei de Nº 5692 foi promulgada dando uma nova organização aos graus de escolarização. Com isso, o segmento denominado primeiro grau, que era composto de oito séries, denominou-se disciplina, a orientação teórica e prática onde a reprovação seria dada apenas mediante a falta do aluno: A educação artística, a Educação Física e o Inglês. O programa recomendado para as aulas de Educação Física compreendia,

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um conjunto de ginástica, jogos desportos, danças e recreação, capaz de promover o desenvolvimento harmonioso do corpo e do espírito e, de modo especial, fortalecer a vontade, formar

e disciplinar hábitos sadios, adquirir habilidades, equilibrar e conservar a saúde e incentivar o espírito de equipe de modo que seja alcançado o máximo de resistência orgânica e de eficiência individual” (SÃO PAULO, SE/CENP, 1985:158).

Foi a partir daí, ofertado o segundo grau voltado para o ensino técnico profissionalizante, composto por três ou quatro séries e a possibilidade de ingressar em um ensino superior. Doze anos após no estado de São Paulo, a CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) ofereceu aos professores da rede estadual, subsídios para a implementação da Proposta Curricular de Educação Física para a pré-escola, apresentava exercícios versando a construção da imagem e consciência corporal, atividades temporo-espaciais, expressão corporal e recreação (SÂO PAULO, SE/CENP. 1985). A conclusão desse processo de discussão dos conteúdos escolares se deu em 1992 e uma das propostas mais importantes foi o estudo da metodologia da Educação Física nas aulas ministradas. Desde 1996, sob as diretrizes que compõem a terceira lei promulgada (Nº 9394), a organização escolar tem sua estrutura iniciada desde a educação infantil até seu término na graduação, no ensino superior. Entende-se que as aulas de Educação Física devem ser “integradas à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustandose às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (São Paulo; SE/CENP 1985; 79). Torna-se relevante ressaltar as concepções históricas da Educação Física brasileira. Entendidas por Ghiraldelli (1998) como tendências, sendo: Higienista (até 1930), Militarista (de 1930 a 1945), Pedagogicista (1945 a 1964), Competitivista (1964 a 1985) e a Educação Física Popular (de 1985 a até os dias atuais). Segundo Darido (2003), a partir da década de 80, é iniciado um amplo debate sobre os pressupostos e a especificidade da Educação Física. Como resultados surgem várias abordagens pedagógicas para a área, como as abordagens Psicomotora, Desenvolvimentista, Construtivista, Saúde Renovada, Críticosuperadora, Critíco-emancipatória, entre outras. A Educação Física passa a realizar importantes mudanças em sua estrutura: reformulação curricular, conteúdos desenvolvidos para a escola, reflexões críticas acerca da falta de ideologia na área, entre outras (RAMOS; FERjaneiro a junho de 2013

Educação Física REIRA, 2000). Tais discussões sugerem o rompimento da ênfase do biológico implícito na Educação Física. Desta forma a Educação Física avança para a ampliação de seus conteúdos e percepção do corpo e do movimento, voltando-se então para a compreensão da cultura corporal (BRACHT, 1996; COLETIVO DE AUTORES 1992). Betti (1992) concorda com o avanço, e explica que a Educação Física “deve preocupar-se com a formação do cidadão que irá usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física” (BETTI, 1992, p.285).

Considerações Finais Este estudo destaca como a Educação Física conseguiu tomar seu espaço e importância reconhecida na formação escolar. Fica aqui o desafio para todos aqueles que como nós, se dispuseram a tê-la como instru-

mento de trabalho, a disseminação do conhecimento de que, assim como as outras disciplinas que envolvem o pensar e o raciocínio, a Educação Física também é importante para a educação, tendo em vista que além de todos esses aspectos anteriormente citados, ela está ligada à saúde mas também sua relevância sobre os aspectos da cultura corporal, servindo como suporte para o desenvolvimento do indivíduo desde a sua fase infantil até a sua completa maturidade. Destacamos a formação crítica dos professores de Educação Física no ensino superior, para que esses possam transmitir essa mesma criticidade aos seus alunos da educação básica e do ensino médio, esperando assim que a Educação Física não seja mais utilizada como instrumento político de alienação e sim como área de conhecimento científico, contribuindo no desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social dos educandos.

Referencias Bibliográficas BETTI, Mauro. Ensino de primeiro e segundo graus: educação física para quê? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 13(2), p.282-287, jan., 1992. BRACHT, Valter. Educação física no 1º grau: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Educação Física, Suplemento 2, 1996. CASTELLANI FILHO, L. Educação física no Brasil: A história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. CORDEIRO, A. M.; OLIVEIRA, G. M.; RENTERÍA, J. M.; GUIMARÃES, C. A. Revisão Sistemática: Uma Revisão narrativa. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v.34, n.6, p.428-431, 2007. DARIDO, S.C. Educação Física na escola: questões e reflexões. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara - Koogan, 2003. FARIA FILHO, L. M. Conhecimento e cultura na escola: Uma abordagem histórica. In: DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1995. GHIRALDELLI JUNIOR, P. Educação Física Progressista. São Paulo: Edições Loyola, 1998. MORAES, L. C. História da Educação Física. 2013. Disponível em: . Acesso em: 05 de agosto de 2014.RAMOS, G. N. S.; FERREIRA, L. A. Parâmetros Curriculares Nacionais: educação física e saúde. Corpoconsciência, Santo André, v.5, p.55-63, 2000. SÂO PAULO (ESTADO). Secretaria de Educação. Programa da escola primária de São Paulo. s.d. p. 59-61. ______________________. Secretaria da Educação. Guias curriculares propostos para as matérias do núcleo comum do ensino do1o. Grau. Centro de Recursos Humanos e Pesquisas Educacionais Prof. Laerte de Carvalho CERHUPE. s.d. p. 51-60. ______________________. Subsídios para a Implementação da Proposta Curricular de Educação Física para a pré-escola. São Paulo; SE/CENP. 1985. 382p. VAGO, T. M. Início e fim do século XX: maneiras de fazer educação física na escola. Cadernos CEDES, v.19, n.48, p.30-51, 1999.

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Mulheres e Organizações Masculinizadas: Em Busca de um Espaço Organizacional Propício à Convivência Harmônica Entre Homens e Mulheres Antônio Ferreira LIMA Docente da Faculdade Mauá de Brasília Mestre em Administração – Universidade de Brasília (UnB)

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Este trabalho abrange a dimensão cultural das organizações e, particularmente, alguns impactos que as mulheres causam quando alçadas a cargos de chefia. Traça um perfil da administradora brasileira, e propõe uma reflexão sobre a necessidade de harmonização dos relacionamentos inter-gêneros como fator de incremento da produtividade e de maximização do uso de recursos disponíveis num contexto globalizado de concorrência e transformação social inédito. Propõe-se que a administração deve estudar com mais profundidade a dimensão simbólica que o espaço profissional proporciona, e sua capacidade de transferir pressupostos, valores e crenças masculinos às mulheres, que se incorporam como nunca aos

altos postos organizacionais. O âmbito cultural possibilita a necessária adaptação e integração reclamadas pelo entorno e, na medida em que convivam harmoniosamente homens e mulheres surge um diferencial competitivo inédito: uma gestão que incorpore a agressividade e objetividade masculinas com a intuição e a capacidade de trabalho em equipe, típicas do estilo feminino de administrar. O objetivo central do trabalho não é esgotar o tema ou analisar suas várias especificidades, mas traças linhas gerais que contribuam para a discussão mais ampla do assunto. Conclui-se que o contexto social exige como nunca que o administrador conheça e entenda os tipos culturais e saiba como se comportar apropriadamente janeiro a junho de 2013

Administração em cada contexto específico, com o objetivo de prover a direção desejada pela organização ao conjunto cultural, fortemente matizado pela participação das mulheres quando assumem posições de mando. A habilitação humana que se requer do gerente, portanto, pressupõe a capacidade de trabalhar as culturas e de conviver com grupos, utilizando mecanismos básicos de intervenção no sentido de facilitar a convivência de homens e mulheres, convertendo a alteridade em vantagem estratégica em face da concorrência provocada pela « globalização dos mercados.

Introdução Nos últimos anos as empresas multiplicaram seu potencial de interação com o entorno, transacionando mensagens culturais e sociais, condicionando-o e sendo condicionadas por ele, num processo que exige pronta adaptação e flexibilidade absoluta. É «m contexto que só permite aos administradores ter duas certezas em relação a suas organizações: n a regra é a mudança, o que toma vital a capacidade de adaptação às transformações externas e a adequação das estruturas internas para suportá-la e; n as pessoas são hoje o principal fator de competitividade. A adaptação às mudanças impostas pelo ambiente força as empresas a buscarem a maximização do potencial de seus trabalhadores e evidencia a presença das mulheres na organização em uma vertiginosa ascensão hierárquica. Dois fatores predominam na explicação da ascensão funcional das executivas: n escolaridade e; n direcionamento da seleção de pessoal. As organizações modernas demandam profissionais mais qualificados, em face da tendência de criação de novas profissões, resultantes da reciclagem das atuais, evidenciando a formação profissional ampla e contínua como a melhor maneira de enfrentar esta redefinição dos postos de trabalho. Por outro lado, a educação prolongada cria a necessidade de por em prática os conhecimentos adquiridos, de tomá-los produtivos, de usar as capacidades ao seu potencial máximo. Quanto mais alto o nível de educação mais elas têm a impressão de estar janeiro a junho de 2013

desperdiçando seu talento em casa, um fator de motivação interna que o homem desconhece, tomando intrínseco o desejo de encontrar um trabalho remunerado, mantê-lo ou retomá-lo depois de períodos pós-parto ou de cuidado com os filhos menores (Braster e De Jong, 1989, p.290). Este “quê” a mais de motivação talvez seja uma das razões par ao aumento da participação feminina nas cúpulas, reconhecendo seu comprometimento como o cargo. Além do acesso maciço à educação, o direcionamento dos processos de recrutamento e seleção ajuda a compreender o avanço feminino. A ascensão de mulheres a postos de comando nas organizações é fator decisivo para a incorporação de outras. Na medida em que cada vez mais administradoras ocupam cargos de gestoras de pessoas as barreiras diminuem, porque: n durante a seleção tanto para cargos de linha quanto para cargos de assessoria, elas tendem naturalmente a privilegiar, em condições de igualdade de competência, outras mulheres, gerando um processo de recrutamento e seleção preferencial e; n não toleram qualquer atitude sexista explícita dos subordinados nas organizações que comandam. Contudo, a introdução feminina não se faz sem choques cornos contingentes masculinos. Este ensaio aborda um deles, a masculinização do estilo feminino de administrar a partir da formação de um ambiente psicossocial e cognitivo impregnado por valores e pressupostos masculinos, a partir da distribuição dos espaços organizacionais e de seu simbolismo. A preocupação com a influenciado meio sobre os níveis de produtividade dos trabalhadores remonta as pesquisas de Maio, na década de 30, corporificadas pela pesquisa de Hawfhome e originaram uma nova postura em termos de administração, revalorizando os aspectos humanos do trabalho e dando origem à abordagem humanista da organização. A partir de 1974, os teóricos voltam a estudar o efeito dos locais e do ferramental de trabalho sobre os padrões de produtividade por meio dos estudos ergonômicos, buscando determinar as cargas física e mental suportáveis pelos indivíduos durante o desempenho de suas tarefas. Os trabalhos de Cazamian, De Montmollin e outros são significativos.

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Administração Segundo Fischer (1994, p.82) o ergonomista oferece um modelo de trabalho interativo entre indivíduo ambiente, através de um esquema de análise das características dessas cargas de trabalho.

Significado do Espaço Todos se desenvolvem em um meio profissional particular, mas inseridos simultaneamente em vários espaços distintos, como seções, repartições, departamentos, divisões, setores, etc. Estes espaços são locais de referência geográfica pessoal e social, aos quais é atribuído um conjunto de significação e representação simbólica. Segundo Fischer (op.cit, p.102) os modelos locais de trabalho atualmente baseiam-se no taylorismo que sugere a cisão dos locais de trabalho com os de habitação e, dentro dos locais de trabalho, entre operativo e trabalho gerencial. Este modelo, contudo, encontra-se em fase de franca contestação diante dos remanejamentos requeridos pela informatização da organização e do redimensionamento dos espaços necessários ao desenvolvimento das tarefas e, por que não dizer, das mudanças culturais que as empresas implementam, principalmente quanto à incorporação do espírito de trabalho em equipe. O ambiente representa um ponto de enquadramento social que localiza os homens na estrutura organizacional e em seu sistema normativo, através de símbolos. A dimensão simbólica das organizações busca reafirmar, basicamente: n a divisão do trabalho e sua compartimentação. A pulverização das funções produtivas originárias mais complexas em tarefas mais elementares, evidenciando as diversas categorias de pessoas encarregadas de cada tipo de tarefe e reunindo-as num mesmo local e; n a hierarquia, em função das atividades desempenhadas, que determinam a possibilidade de mando e a posição relativa de seus ocupantes na cultura organizacional, sua influência nos destinos da entidade e seu acesso aos níveis superiores de decisão.

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Um espaço qualquer é considerado “copa”, por exemplo, enquanto inserido num sistema de referência organizacional que determina que ali sejam feitos o café, o chá, o depósito de água, etc. Os empregados encarregados dessas -tarefas devem trabal-

har neste ambiente, que lhes é reservado em função do tipo de tarefa que desempenham e indica sua posição hierárquica em relação a todos os outros membros do grupo. Contudo, basta uma simples reforma do prédio para transformar a “copa” em “sala do chefe”, mudando a representação simbólica gerada por sua ocupação funcional e, consequentemente, o comportamento de seus ocupantes. Assim, o comportamento geralmente despojado e propício à informalidade da copa, passa a ser formal e a obedecer padrões culturais que determinam o que é apropriado ou não fazer na presença de um superior hierárquico. A organização, considerando-se as possibilidades de relacionamentos interpessoais, oferece inúmeros exemplos e oportunidades espaço-temporais por estabelecerem os bcais de socialização, por meio de seu sistema formal de regras e procedimentos e pela estrutura hierárquica adotada. A dimensão espacial, do ponto de vista cultural, toma a forma de território e baseia-se, fundamentalmente no sentimento de apropriação. Sua ocupação tende a gerar comportamentos de dominação a partir da delimitação de uma zona de influência e de controle particular que cria um apego simbólico, projetando uma relação de identidade entre o território e seu ocupante (Fischer, apud Chanlat, 1994,v.I,p.31): O enraizamento espacial pode ser mais ou menos forte, mas não se pode conceber um ser humano ou uma coletividade que não tenha nenhum tipo de vinculação espacial, por mais Ínfima que seja. E por esta razão que os lugares e as posições que ocupamos a titulo individual ou coletivo são objeto de diversos investimentos: afetivo, material,—profissional, político e outros mais. Fontes de enraizamento, estes investimentos reafirmam a identidade pessoal e coletiva” (Chanlat, op. cit., p.33).

O conceito de território remete a um lugar ou área geográfica onde o sujeito exerce uma certa soberania. Altman (apud Fischer, op. cit., p.84), propõe a existência de três tipos: n território primário: é a área ocupada com ânimo estável, claramente delimitado e reconhecido como do sujeito, como por exemplo, a casa ou escritório; janeiro a junho de 2013

Administração n território secundário: “é um local semipúblico ou semiprivado, regido por regras mais ou menos claramente definidas quanto ao seu acesso e seu uso. Estamos portanto falando de um lugar relativamente ocupado por uma pessoa ou um grupo (bar, clube, etc.)” e; n território público: é ocupado temporariamente, e qualquer pessoa pode em princípio entrar nele, a regulação de seu uso é institucional, como em bancos, repartições públicas etc.

Os Grupos Os espaços adquire especial importância para o estudo da psicologia e da sociologia organizacional porque delimita os territórios ocupados pelas pessoas, agrupadas segundo a natureza do trabalho que exercem e sua posição hierárquica. O grupo pode ser definido como “um conjunto de duas ou mais pessoas em relação de interação e interdependência, capazes de agir de maneira unitária, em caráter contínuo, dinâmico e dirigido para um objetivo final do qual todos os integrantes participam” (Flippo 1972, p. 407) e pressupõe, naturalmente, que a convivência se dê ao mesmo tempo (dimensão temporal) e no mesmo lugar, ainda que virtualmente, através de meios remotos de comunicação (dimensão espacial). Chinoy (1996, p.54) ressalta que a própria relação social baseia-se no conceito de grupo, na existência de “expectativas recíprocas em relação ao comportamento uns dos outros, de modo que tendem a agir de maneiras relativamente padronizadas”. A convivência em grupo acentua a necessidade de comportamentos uniformes e o estabelecimento de normas de conduta, formais e informais, é quase inevitável e imposta de maneira coercitiva se necessário. Dentre as características básicas dos grupos, ressaltando-se a possibilidade de acordos entre os integrantes. Estes acordos são o resultado das pressões a favor e mecanismos utilizados quando o grupo quer recompensar, punir, boicotar ou sabotar um integrante. O espaço social projeta uma imagem do grupo que o ocupa, seu comportamento, seu modo de operar as tarefas e enfim, todo um sistema cultural que se constrói dentro de uma delimitação espacial dada. Segundo Fischer (op. cit. p.83) o espaço adquire não apenas uma conotação de orientação e janeiro a junho de 2013

informação, mas também social e imaginária. O autor afirma que

[o]s corredores ou trajetos utilizados para chegar ao meu escritório não constituem unicamente um sistema funcional de deslocamentos, mas lugares reconhecidos como facilitadores de certos encontros e utilizados para evitar outros. Os lugares se incorporam assim a representações e condutas, uma certa imagem da organização se reflete na distribuição dos espaços: em seguida, ela considera o sistema organizacional a partir da estruturação social dos locais e dos espaços definidos, repartidos e utilizados pelos indivíduos, não só em função dos imperativos de produção, mas também em relação às condutas e valores que fazem da empresa um território social.

A utilização do espaço, a formação de territórios e sua dominação, implica uma orientação e uma regulação das interações sociais que pode variar em função de necessidades de intimidade, influência, poder, etc. O território delimita uma zona de influência e de controle particular, devidamente demarcado e sinalizado aos outros membros da organização, de forma a evitar intrusões e invasões que tomam a conotação de verdadeiras violações da intimidade e da soberania dos grupos e dos indivíduos em seu território básico. Se o grupo é predominantemente masculino, a expectativa de comportamento se coaduna com percepções masculinas de pressupostos, valores e crenças, que são transmitidas ou impostos aos outros membros, ainda que involuntariamente.

Fronteiras As regiões limites entre os territórios de dois grupos adjacentes são as mais propícias a choques entre as pessoas. Assim, os grupos estabelecem marcos que definem os limites territoriais de cada agrupamento, seu conjunto de direitos e deveres e os níveis de convivência com os outros grupos. O primeiro dos marcos é o sistema normativo formal da organização que determina o espaço a ser ocupado por cada grupo na planta e suas prerrogativas e obrigações. A cultura informal também tem seus mar-

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Administração cadores de território, que podem ir desde a caneca de alguém sobre a mesa, um retrato, uma peça de roupa, as ferramentas de trabalho etc. Os marcos têm as seguintesfunções, segundo Fischer (op. cit p. 87); n prevenir intrusões, informando sobre a identidade do possuidor e a abrangência do espaço delimitado; n facilitara organização e a gestão das atividades dos indivíduos; n orientar os indivíduos, assegurando a boa utilização dos mapas cognitivos, associando os tipos de comportamento esperados a determinados locais e; n desenvolvera identidade pessoal e social a partir do compartilhamento do espaço, permitindo a seus ocupantes adquirir conhecimentos, experiências comuns, desenvolver uma coesão maior ou menor, e a estabelecer relações de confiança mútua. Esses aspectos mostram que o domínio dos espaços e a fixação das pessoas aos lugares são um dos meios que se têm para regular a interação e organizar suas diversas atividades. Os gêneros também se agrupam e estabelecem seus próprios marcos e fronteiras. Homens e mulheres privilegiam-se mutuamente nos encontros informais, nas rodas de conversa ou atritos intergrupais. Os marcadores têm os seguintes tipos: n marcadores centrais, colocados no meio do território anunciam uma reivindicação pessoal forte; n marcadores de fronteira indicam linhas de separação entre dois territórios adjacentes e; n marcadores sinais que determinam a propriedade de um objeto e delimitam assim a parte do território do possuidor.

A Construção do Espaço Masculino

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A cultura nacional é fator determinante das várias subculturas que formam a cultura organizacional, Na medida em que a sociedade ocidental, adota uma estrutura patriarcal baseando seu sistema de valores sobre a imagem do homem, é razoável esperar que as empresas, igualmente, transformem suas

culturas em realidades afetivas essencialmente masculinas, traçando os papéis esperados pelas pessoas em função de valores e percepções masculinas, como ilustram ricamente as imagens que são projetadas pela organização para seu entorno: um campo de batalha, um time de futebol, uma família, uma propriedade particular, etc. Assim, a distribuição dos espaços é feita na organização de forma a representar essas imagens masculinas, colocando as salas dos chefes em posição estratégica, assegurando-lhes o espaço necessário para evidenciar seu potencial de mando sobre os membros de sua equipe. A distribuição de móveis, equipamentos e demais componentes físicos do ambiente obedece modelos masculinos de representação e simbolismo, forçando a masculinização do espaço ao confundir a imagem do líder com a de um homem e levando as mulheres a assimilarem, inconscientemente, o estilo agressivo e competitivo dos homens. Baseado na cognição masculina surgiu um rol de atributos que o administrador deveria desenvolver: senso de missão, agressividade competitiva, senso de apropriação e de aproveitamento das oportunidades, frieza, calculismo, impessoalidade, rigor no controle, desconfiança compulsória, egoísmo, capacidade de sobrepor os fins aos meios, etc. A estrutura organizacional decorrente não poderia deixar portanto de ser como é hoje, atomizada e centralizada nos chefes, induzindo ao não compartilhamento de responsabilidades e de resultados e impossibilitando o trabalho efetivo em equipe. Contudo, nos últimos anos, em decorrência do acirramento da competição forçado pela globalização dos mercados, surgiu a necessidade de ganhos de produtividade e de competitividade que exige dos membros da organização um esforço adicional, apenas possível graças ao efeito sinergético do trabalho em equipe, do compartilhamento real de responsabilidades e de recompensas, num verdadeiro repensamento das relações interpessoais. Em decorrência dessas transformações dos sistemas sociais e éticos, surgiu um novo rol de atributos que o mercado valoriza no administrador, que desenvolvem-se à plenitude apenas num contexto de trabalho grupai, em equipes. Consequentemente, tanto melhor e mais produtivo será o grupo quanto mais propício seu clima e cultura ao desenvolvimento destas qualijaneiro a junho de 2013

Administração dades. Uma pesquisa recente apontou, entre outros, os seguintes atributos como os mais valorizados pelos administradores brasileiros: Atributo responsabilidade liderança iniciativa capacidade de trabalho em equipe tomada de decisões criatividade comunicação pessoal honestidade autoconfiança planejamento motivação pessoal espírito inovador

Percentual 85% 81% 80% 76% 76% 74% 74% 73% 72% 72% 66% 64%

O Impacto da Mulher Aprioristicamente, o estilo da administração induzido pelas organizações é masculino, competitivo e reducionista, chocando-se com o estilo feminino, cooperativo e complexo. E onde começa o problema. O estilo feminino, no dizer de Handy (1994, p. 257) aparece na “consciência aumentada de criatividade, sensibilidade, relacionamentos pessoais e sentimentos, valor pessoal e diferenças individuais”, que matiza cada vez mais intensamente as culturas organizacionais. Segundo Alcade (1996, p.54) vários estudos têm demonstrado que elas são mais receptivas aos sentimentos alheios e por isso mais compreensivas, daí estarem melhor preparadas para assumir cargos de chefia e resolver problemas interpessoais no seio das equipes. O problema está na percepção masculina deste “estilo feminino”. Alguns creditam à sentimentalidade feminina uma conotação negativa e conformam uma série de pressupostos negativos que chegam, de fato, à categoria de preconceito, tais como: (1) a mulher é muito propensa a crises de histeria provocadas por distúrbios hormonais; (2) as mulheres são menos confiáveis e; (3) são mais suscetíveis às pressões do ambiente por serem mais sentimentais. Sujeitar-se hierarquicamente a uma chefa pode ser uma questão extremamente complicada para grupos de trabalhadores majoritariamente masculinos, pois suas percepções e visão de mundo, decorrem de uma sociedade androcêntrica, cujos pressupostos e valores são em maior ou menor escala assimilados janeiro a junho de 2013

pelo sistema social das entidades. Para eles, a empresa é uma realidade afetiva típica de um grupo de homens, fato que fica bem claro no uso de analogias esportivas e de batalha, situações eminentemente masculinas, para descrever a percepção que têm da organização. Encaram o trabalho de forma mais impessoal, com ênfase na hierarquia e disciplina e na rigidez dos relacionamentos, que devem, a princípio, basear-se numa relação estritamente funcional.

Masculinização do Estilo Feminino A mulher impacta a organização basicamente de duas formas: (1) forçando os grupos masculinos a dividir seu território com pessoas de sexo oposto, e não apenas do ponto de vista anatômico, mas principalmente quanto a formas de comportamento e visão de mundo e; (2) as mulheres detêm naturalmente os atributos que o mercado requer dos administradores atualmente, o que as habilita a ir cada vez mais longe em suaetórias funcionais. Os paradigmas atuais conformam o espaço social das organizações em realidade masculinas e conduzem à idéia de que a incorporação da mulher trata-se apenas de uma permissão para que elas ajam e se comportem como homens, perpetuando o modelo e a cultura organizacionais centralizados no homem. Parece tratar-se do aproveitamento da oportunidade oferecida pelo trabalho feminino sem a necessidade de alterações profundas no próprio relacionamento”‘ profissional homem-mulher, sem o reconhecimento de um estilo de vida e de administração próprios ou de uma identidade profissional feminina. Os movimentos de liberação feminina nas últimas décadas, forneceram a base ideológica necessária à consolidação da incorporação social e política da mulher. Contudo, contribuíram decisivamente para fortalecer a idéia de que homens e mulheres tem as mesmas características psicológicas, não se admitindo modelos específicos para cada gênero, conformando o paradigma da homogeneidade e a adoção de padrões psicológicos predominantemente androcêntricos. Chinoy (op. cit. p.104) afirma que: [a] considerável variação nos papéis representados por homens e mulheres em diferentes socie-

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Administração dades parece indicar a possibilidade de que, excetuando-se a gravidez, não há diferenças inerentes, de que a masculinidade e a feminilidade, os papéis masculinos e femininos, dependem tão-somente do que deles faz a cultura.

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A busca feminista pela igualdade política e social levou a um equívoco, ao postular que todos têm características psicológicas masculinas e femininas, que coexistem em diferentes graus segundo as situações ou a personalidade. Daí, a tentativa das mulheres de desenvolver este “lado masculino” para serem melhor aceitas na organização, imitando comportamentos masculinos, objetivando serem melhor aceitas pelos grupos, predominantemente masculinos. A incorporação do estilo masculino orienta-se pela supressão das demonstrações de emotividade e afetividade e pelo desestímulo velado à inovação, no acirramento do controle e na cisão das realidades profissionais e pessoais, na objetividade que não permite que as dimensões da vida privada intrometamse na dimensão empresarial, como se fosse possível deixar as preocupações de ordem não profissional em um cabide, na porta da fábrica. Não obstante, um certo aumento da tolerância masculina nas organizações brasileiras, alguns homens se comportam em função das platéias. Tratam as subordinadas ou mesmo suas superiores, de acordo com as pessoas que os circundam naquele momento. Se a platéia é masculina em sua maioria, eles tendem a dar demonstrações explícitas de autoridade - que muitas vezes chegam à humilhação das subordinadas - ou de resistência às ordens superiores, por verdadeira necessidade de afirmação perante o grupo, independentemente de qualquer problema pessoal com a(s) funcionária(s) ou chefa. Dispersa a platéia, os relacionamentos, para eles, voltam a ser como eram antes; para elas, pode significar o fim de qualquer possibilidade de cooperação que não a extremamente necessária e obrigatória. As mulheres também têm seu comportamento influenciado pelas pessoas que as rodeiam. Entrevistada sobre sua opinião se as mulheres, no exercício da administração, seriam mais éticas, Barbara Toffler respondeu: “O que acho é que as mulheres desejam mostrar que são duronas. Elas evitam a suavidade temendo que isso não as classifique como boas gerentes. Já os homens tendem a ser mais flexíveis”. Al-

gumas mulheres se comportam como se estivessem diante de platéias, formadas exclusivamente por homens a quem elas julgam agradar assimilando-lhes o estilo e as formas de expressão. Quando se comportam, se vestem, falam ou andam como homens e se masculinizam, elas também estão dando, inconscientemente, satisfações à platéia. Percebe-se vivamente neste comportamento que as próprias mulheres reconhecem diferenças no tratamento dispensado a elas e aos grupos de homens na organização, percebem restrições de várias ordens na sua carreira e não encontram explicação plausível. Trata-se de uma imagem de si próprias e de seu trabalho, como que de afirmação, da necessidade de recuperar o tempo perdido pelas gerações anteriores. Belle (1994, p.217) sugere em sua pesquisa que alguns constatações masculinas a respeito do trabalho da mulher encontram adesão entre as próprias executivas. Segundo a autora, 95% das entrevistadas acreditam na existência de cargos exclusivamente destinados a homens; 90% acreditam que as mulheres progridem mais lentamente que os homens e 80% crêem que as mulheres devem trabalhar mais que os homens para demonstrar sua competência e ter sucesso profissional, enquanto os homens são promovidos quase que por inércia. Daí a necessidade de buscar comportar-se como a maioria masculina para ser aceita por ele, masculinizando o comportamento e despersonalizando-se. Evidências sugerem que algumas mulheres quando alçadas a cargos de chefia tornam-se altamente controladoras e comandam seus subordinados como o mais atroz dos homens, de forma detalhista e inflexível. Este comportamento acirra a dificuldade de subordinação dos homens que, como dito, intemalizaram a imagem de submissão feminina, que é chocada por comportamentos masculinos. De várias formas os homens sentem uma verdadeira invasão de seu território, ao que reagem prontamente. Movidos por suas percepções e cognições, os grupos masculinos, em maior ou menor grau, de maneiras diversas, pressionam as colegas que, indignadas, reagem com os instrumentos de que dispõem de reclamações às chefias até as barras dos tribunais. A grande vítima, geralmente, é o clima dos grupos, que torna-se pesado e pouco propício à cooperação e a ganhos de produtividade. Uma nova preocupação requer o reconhecimento de que as mulheres seriam diferentes, ainda janeiro a junho de 2013

Administração que a diferença decorra da formação cultural, e que essas diferenças devem ser respeitadas e valorizadas como fator de incremento da produtividade organizacional, por facilitar o trabalho em equipe e a inovação, características intuitivas das mulheres. Das pressões decorrentes desta nova percepção nasce a possibilidade de pressão, dentro dos grupos pela mudança das normas de comportamento, eminentemente masculinas, para um acordo que privilegie o respeito mútuo. A adesão ao modelo psicológico masculino violenta internamente as executivas, que não se adaptam perfeitamente ao modelo - agressivo, hierarquizado e inflexível - porque antagoniza-se com a imagem de feminilidade, resumido à maternidade, que lhes é transmitida desde a infância pela sociedade patriarcal que as cerca. Por tratar-se de um processo inconsciente, muitas vezes os reflexos da masculinização só se deixam perceber quando começam a atingir outras áreas da vida, como a família, os estudos, os relacionamentos interpessoais, etc, prejudicados pela dissonância entra a imagem da mulher-executiva, que se impõem e da mulher-mãe, que é ensinado aos grupos, a partir das famílias. Segundo Chinoy (op.cit, p. 106) a cultura é capaz de inverter os papéis de homens e mulheres, ainda que com ônus psicológico para ambos. A agressividade sancionada pela cultura organizacional masculina e requerida das mulheres que desejam ascender aos postos administrativos pode vir a substituir a “doçura natural da mulher”, se ela existe, como afirmam alguns autores, os prejuízos psicológicos decorrentes deste choque são previsíveis e altamente danosos. Por outro lado, os subordinados afirmam ter sérias dificuldades em trabalhar subordinados a mulheres exatamente devido aos comportamentos masculinos, inflexíveis e detalhistas de qualquer inovação. Este modelo disfuncional só pode ser rompido pela compreensão mútua dos papéis dos contingentes masculino e feminino e de suas peculiaridades, partindo da aceitação e que cada grupo tem formas próprias de viver e sentir a realidade que os cerca, sem que haja a necessidade de adesão das mulheres a uma realidade afetiva predominantemente masculina, em que a organização foi transformada ao longo do tempo. Não basta a mulher não querer se masculinizar, geralmente o processo lhe é totalmente inconsciente. Assim, o primeiro passo é alertar para a existência do janeiro a junho de 2013

fenômeno e, em seguida preparar a cultura da empresa, desmascuímizando-a, preparando homens e mulheres para que não nutram a expectativa de comportamentos masculinos como melhores ou mais adequados, mas que se forme uma imagem de grupo heterogêneo, mas consciente da identidade dos contingentes feminino e masculino e da necessidade de convivência respeitosa e harmoniosa em benefício do atingimento ótimo dos objetivos organizacionais.

Considerações Finais: A Necessidade de se Aprender a Conviver Sem dúvida, a principal decorrência da globalização é o radical aumento da interdependência. Como nunca, o contexto exige uma interação cada vez mais complexa das organizações com Estados, grupos sociais, concorrentes, fornecedores, consumidores, vizinhos, em escala mundial. A revolução tecnológica força as entidades ao redesenho dos cargos, ou melhor, à redefinição da própria relação de emprego, enfatizando o trabalho em equipe como fator de mudança. Adicionalmente, os governos formais de trabalho como reação ao desemprego estrutural gerado pela transição entre o modelo econômico atual e o modelo globalizado emergente. A globalização lança as organizações de competição inédito, onde detalhes de produtividade representam o diferencial. Emerge deste fato, a necessidade de trabalho em equipe multifuncionais, compostas por pessoas capacitadas técnica e humanamente, capazes de conviver com a alteridade e com o novo, adaptando-se ao meio ambiente econômica e tecnologicamente voláteis. Esta necessidade de trabalho em equipe requer uma convivência harmônica, capaz de produzir climas e culturas organizacionais centralizadas no compartilhamento do trabalho, da responsabilidade e das recompensas. Assim, o atingimento da vantagem competitiva e, consequentemente da sobrevivência institucional pressupõe o uso ótimo dos recursos disponíveis, com criatividade e espírito inovador, explorando-se todo o potencial de contribuição que a alteridade proporciona, evitando-se a instalação de culturas duais, onde o preconceito acentua o processo entrópico, na medida em que impacta o contingente feminino e sua produtividade. Por outro lado, enquanto a igualdade não vem, as executivas devem atentar para os acordos culturais

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Administração que são formados em seu desfavor em seus grupos de referência profissional e para o estabelecimento de territórios notadamente masculinos e capacitaremse a estabelecer novas bases de acordo, com os instrumentos de pressão de que dispuserem. O ingresso de executivas nos postos-chave da organização impacta diretamente a cultura organizacional, tradicionalmente patriarcal, que precisa ser preparada e adequada, como o objetivo de utilizar todo o potencial feminino, seu estilo de gerência sedutor e persuasivo, em prol do atingimento dos objetivos empresariais. É pacífico entre os autores que as empresas modernas necessitam reduzir níveis hierárquicos, promovendo uma horizontalização de suas estruturas, privilegiando o trabalho em equipe. Decorre daí que um ambiente organizacional estruturado matriciahnente a partir da criação de grupos semi-autônomos de desenvolvimento das tarefas, pelo seu poder de gerar maior satisfação aos empregados em virtude de sua dinâmica, pois o grupo influencia o comportamento individual, criando situações de trabalho mais eficazes. O trabalho grupai projeta a responsabilidade pela tarefa sobre o co-

letivo, gerando nos integrantes um compartilhamento quase que imediato da responsabilidade e das recompensas (Chiavenato, 1996,p.239). Equipes, contudo, são uma abstração social. O que as conforma são as maneiras de percepção das pessoas em relação a elas mesmas e ao ambiente onde se inserem, seus pressupostos, valores e crenças e, principalmente, um senso de missão, ou seja, a cultura organizacional propícia à cooperação e ao atingimento conjunto de objetivos. Para Belasco (1992, p.203) as pessoas são particularmente sensíveis a mensagens e as que elas mas ouvem provêm do sistema cultural, que determina o que é percebido como “certo”, que comportamentos são aprovados e tidos como bons e desejáveis. Assim, é forçoso reconhecer a necessidade de quebra definitiva das últimas barreiras à plena incorporação feminina em todos os níveis organizacionais, sem impor à mulher a masculinização ou a despersonalização, aproveitando todo o potencial que a diversidade encerra, na construção não de um estilo único de administrar, mas de um respeito intrínseco pela identidade própria de homens e mulheres.

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HANDY, Charles. Deuses da administração. São Paulo: Senac, 1994. janeiro a junho de 2013

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Os Ecos Românticos no Regionalismo-Naturalista de Rodolfo Teófico Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS Mestre em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás Jorge Alves SANTANA Doutor no Programa de Pós-Graduação em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás O presente trabalho propõe uma análise estrutural da obra “A fome - Violação”, do escritor Rodolfo Teófilo, publicada em 1890, marcando o início do Naturalismo no Ceará. A obra retrata a história de Manuel de Freitas e sua família durante a grande seca que se abateu sobre aquele estado no período de 1877 a 1879. Meu objetivo é verificar as características do Realismo-Naturalismo presentes na obra, bem como, pontuar as reminiscências do Romantismo neste que pode ser considerado um romance de transição. Para se chegar ao autor cearense “de coração”, como ele mesmo gostava de definir sua naturalidade, visto que é “baiano por acidente”, foi necessário abordar, mesmo que brevemente, o histórico-literário do Realismo- Naturalismo desde a França, passando por Portugal, chegando ao Brasil, e finalmente ao Ceará. Realismo e Naturalismo, originários da França, na segunda metade do século XIX, representaram repúdio ao Romantismo e caracterizaram-se pelo espírito de exatidão, objetividade científica, precisão na descrição e tentativa de imitação da realidade. O Realismo defende a razão, influenciado pelo Positivismo, sobretudo na busca do conhecimento dos fatos através da experiência. Os escritores deste movimento literário seguem a linha filosófica determijaneiro a junho de 2013

nista de Taine (o comportamento humano, na obra de arte que o investiga, é determinado pela confluência de três fatores: o meio, no qual está inserido o personagem: com sua origem e povo; e o momento histórico em que ocorre o enredo). O novo ideal científico se encarna na teoria evolucionista de Darwin e na idéia do evolucionismo social de Spencer. O escritor realista assemelha-se ao cientista ao escrever seus textos com minuciosa observação dos fatos, na análise psicológica das personagens, no estudo de costumes, representa o mundo de forma impessoal e objetiva, escolhendo uma linguagem que mais se aproxima da realidade. O Naturalismo prolongou e exagerou o Realismo. Em muitas vezes eles são confundidos, pois as idéias são as mesmas, com algumas particularidades para o movimento naturalista —que também se fundamenta em bases científicas e filosóficas. Contudo, este movimento põe a ciência no plano de demonstração de teses científicas, principalmente em psicopatologia: os escritores procuravam apreensão mais científica dos fatos e uma visão patológica das personagens. Com todas essas idéias surge na França o Realismo-Naturalismo: Madame Bovary, de Gustave Flaubert, em 1857 (o Realismo) e 10 anos depois, em 1867 Thérèse Raquin, de

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Émile Zola (o Naturalismo).O Realismo português inicia-se em 1875 com “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós, e em 1891 o Naturalismo com O Barão de Lavos, de Abel Botelho. No Brasil as idéias do RealismoNaturalismo deram continuidade ao ideal francês e português. Em 1881, Machado de Assis publica Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance realista, e no mesmo ano houve a publicação de O Mulato, de Aluísio Azevedo, com idéias naturalistas. No que diz respeito à Literatura Cearense, os movimentos Realismo e Naturalismo surgiram na década de 1880, com o Clube Literário, que teve como órgão na imprensa a revista A Quinzena, que circulou de 1887 a 1888, realizando um total de 30 números. Participaram desse periódico: João Lopes, Antônio Martins, Abel Garcia, José de Barcclos, José Olímpio, José Carlos Júnior, Oliveira Paiva, Antônio Bezerra, Justiniano de Serpa, Paulino Nogueira, Martinho Rodrigues, Farias Brito, Pápi Júnior, Ana Nogueira, Francisca Clotilde, Álvaro Martins, Juvenal Galeno e outros. O Realismo despontava com os contos de Oliveira Paiva e os de Rodolfo Teófilo, sendo deste a obra A Fome, publicada em 1890, consolidando a prosa naturalista. O Realismo-Naturalismo na prosa cearense fortalecia- se com, além dos dois escritores já citados, Adolfo Caminha e Pápi Júnior. Rodolfo Teófilo. Nascido na Bahia, em 6 de maio de 1853, contudo foi no Ceará que passou toda sua vida, exercendo as atividades de cientista e escritor até a sua morte em 2 de julho de 1932, aos 79 anos de idade. Foi caixeiro, farmacêutico, professor, sanitarista, um defensor das causas abolicionistas, escritor e o último Padeiro-Mor da Padaria Espirituali. Ele afirmava, sou cearense porque quero. Ao propor-se um estudo sobre o regionalismo, como vertente literária, faz-se necessário a delimitação desse termo, visto que se encontra eivado de vários significados. Afrânio Coutinho, em A literatura no Brasil (1986, p.235), em consonância com Georg Stewart, define regionalismo de duas maneiras. Em sentido amplo, “toda obra de arte é regional quando tem por pano de fundo alguma região em particular ou parece germinar intimamente desse fundo [...]. Mais estritamente, para ser regional, uma obra de arte não somente tem que ser localizada numa região, senão também deve retirar sua substância real desse local”. Conforme Coutinho (1986), desde o Romantismo, com a valorização do genius loci, cresce a importância do Brasil regional. Assim, a narra-

tiva regional romântica, devido à independência política e cultural do Brasil, aparece de forma consciente, priorizando o caráter nacional com o seu localismo, folclore e tradição, apesar de ter sido caracterizada pelo subjetivismo saudoso e pelo escapismo dos românticos. Os românticos, ao revelarem o Brasil, assim como o sertanejo, buscavam uma identidade nacional que se encontrava atrelada à literatura portuguesa, de cuja “dependência” a literatura brasileira necessitava libertar-se. A História do Regionalismo, na visão do historiador, continuou no Realismo-Naturalismo com a mesma concepção do Romantismo, fugindo, apenas, do saudosismo e dos escapismos românticos, para considerar a existência verossímil do homem em sua região. O regionalismo, na prosa de ficção brasileira, diz Coutinho (Id., 250), “nasceu, sem dúvida, sob o signo do Romantismo para, depois, misturar-se às receitas naturalistas e realistas, sob a influência de Zola e Eça de Queiroz”. Logo, o Romantismo proporcionou a valorização dos elementos locais, análise e interpretação da realidade brasileira. Nesse contexto, o historiador defende o estudo do regionalismo baseado nas regiões culturais e na importância da produção literária e não na divisão geográfica do país. Para tanto, ele estabelece seis regiões: grupo nortista, grupo nordestino, grupo baiano, grupo central, grupo paulista e grupo gaúcho. Antonio Candido, em Formação da literatura brasileira: momentos decisivos 2000, reconhece que um dos aspectos formadores do Romantismo foi o nacionalismo, já evidente em José de Alencar, que lança as bases do romance brasileiro com um dos seus filões, o regionalismo, proporcionando um caminho que leva ao Naturalismo e às obras de Franklin Távora e de Visconde de Taunay. O historiador destaca que a literatura do Naturalismo busca como definiu Viana Moog (apud CANDIDO, 2007, p.267), “um regional autônomo e diferente, caracterizado pelo seu genius loci particular” que, na segundo Candido, encontra-se no Nordeste, representado nos romances de Franklin Távora. Ainda é de Candido a afirmação, que o regionalismo de Távora edifica-se em três pilares que se constituem, em proporções variáveis, na principal base do regionalismo do Nordeste: Primeiro o senso da terra, da paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região, janeiro a junho de 2013

Letras marcando o ritmo da sua história pela famosa “intercadência” de Euclides da Cunha. Em seguida, o que se poderia chamar patriotismo regional, orgulhoso das guerras holandesas, do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas. Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do Norte, reputado mais brasileiro [...] (Ibid.).

Conforme Antônio Candido, “Távora foi o primeiro ‘romancista do Nordeste’, no sentido em que hoje entendemos a expressão; e, deste modo, abriu caminho a uma linhagem ilustre, culminada pela geração de 1930, mais de meio século depois das suas tentativas, reforçadas a meio caminho pelo baiano fluminense d’ Os sertões” (Id., Ibid.) O historiador ressalta, porém, que: A virtude maior de Távora foi sentir a importância literária de um levantamento regional; sentir como a ficção é beneficiada pelo contacto de uma realidade, concretamente demarcada no espaço e no tempo, que serviria de limite e em certos casos, no Romantismo, de corretivo à fantasia (Id., p.269). Nelson Werneck Sodré, em História da literatura brasileira: seus fundamentos econômicos (1995, p.403), comenta acerca do regionalismo romântico e do naturalista (definindo o romântico de “sertanismo” e o realista de “regionalismo”) estabelecendo, em toda a sua obra, as diferenças entre ambos e defendendo a tese de que o “regionalismo, a rigor, começa a existir quando se aprofundam e se generalizam, a ponto de surgirem em zonas as mais diversas manifestações, a que o romantismo não poderia fornecer os elementos característicos”. Dentre as manifestações, cita-se a de conteúdo, na visão do crítico, Augusto Meyer (apud SODRÉ, 1995, p.403): “As paisagens, como os textos, só falam quando são interrogados. Tudo é mudo nas formas a que não sabemos insuflar um verbo”. Outra diferença crucial, entre o regionalismo romântico e o realista, enfatizada por Nelson Werneck, é a transplantação da cultura européia sobre a dos povos de formação colonial, como é o caso do Brasil. Esta transplantação, recebida no período romântico brasileiro, provocou um sentimento de exílio - o de sermos estrangeiros em nossa própria terra. Daí a deformação do regionalismo “sertanista” que, de acordo com Werneck, se despoja, assim, de qualquer sentido local janeiro a junho de 2013

ou zonal. Porém, com o “regionalismo”, como assevera o autor, isso não acontece. Existem nele deformações e fraquezas, mas este já se aproxima do ambiente que o romancista pretende retratar. Sodré afirma que a prosa do Romantismo peca pelo excesso, além de pecar pela falta, ao colocar o ambiente acima da criatura. No entanto, o “regionalismo”, ao contrário, entende o indivíduo apenas como síntese do meio a que pertence. Também peca por excesso, ao conferir às exterioridades, ou seja, à conduta social, à linguagem, etc, uma importância exclusiva. Ainda mais, procura a ostentação, o exótico e o estranho. Para o autor, esse pecado não inutiliza a sua contribuição, porque, em muitos casos, a ficção regionalista se enriquece com os traços que o naturalismo acolheu, peculiares à vida coletiva, principalmente, o quadro físico. Conforme Sodré (Ibid., p. 408), ‘o regionalismo’ revelou o Brasil aos brasileiros, apesar de seus quadros pejados de natureza ou dos entraves da erudição verbalista que proporcionou em muitos casos. Procurou dar à cor local um sentido mais profundo do que o trazido pelo sertanismo. Por ser o primeiro historiador nacional a ter escrito uma História da Literatura na visão marxista, é natural que Sodré assuma uma postura comprometida com a busca de uma identidade nacional que, para o teórico, encontra-se no período Naturalista. Esse breve percurso me pareceu necessário para compreender porque Otacílio Colares (1974), no prefácio da 2ª edição de O paroara, ressalta em Teófilo o “tom de sincera regionalidade, encarada em termos de observação e pesquisa profundas” e também, por enquadrar o escritor cearense ‘cronologicamente entre o Romantismo decadente e o Realismo-Naturalismo em euforia no Brasil, em fins do passado século’. Sendo assim, tentarei uma análise da obra A Fome - Violação, nos seus aspectos formais, recorrendo a outros elementos extrínsecos da obra, tais como, dados biográficos do autor, as relações do texto com a história, a sociologia, a antropologia, a política, bem como os elementos intrínsecos relacionados com os aspectos interiores da obra como simbologia, imagens e conteúdos. Vinculado ao Naturalismo, enquanto escola literária e científica, o escritor como ninguém encarou a criação artística em sua função pragmática e documental. Para Rodolfo Teófilo a literatura tinha uma função civilizatória e deveria contribuir para a modernização do país. Uma breve incursão por sua obra nos mostra muito bem isso. A Fome (1890) saiu posterior ao seu estudo sobre as secas

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no Ceará intitulado “História da Secca do Ceará”, de 1922. E não é exagero afirmar que a ficção é uma história romanceada de seu estudo. Com esse romance o escritor pretendeu denunciar vários aspectos da realidade da seca de 1877, dos quais discordava radicalmente: a corrupção dos comissários de socorros públicos, o descaso das autoridades para com o sofrimento dos retirantes, os trabalhos forçados a que eram submetidos os retirantes nas frentes de trabalho, a truculência das autoridades policiais, as péssimas condições dos abarracamentos em que os retirantes se alojavam – que aumentavam ainda mais o risco de proliferação de epidemias –, a política de migração para o sul do país promovida pelas autoridades locais e a sociedade cearense e, sobretudo, aqueles cidadãos que, insensíveis aos sofrimentos dos retirantes, continuavam ostentando luxo e riqueza. Mais do que denunciar, Rodolfo Teófilo pretendia educar. Sendo a atividade letrada o principal meio de comunicação da época, o escritor usou-se largamente dela como meio informativo e educativo. Ainda em A Fome, Teófilo gasta muitas páginas ensinando a preparar a mucunã, raiz muito venenosa, mas que, se preparada corretamente, pode servir de alimento, principalmente em períodos de escassez, como é o caso da seca. Ele também alerta aos que forem se servir dessa planta sobre o fato de existirem outras similares, mas não apropriadas para o consumo. A prostituição, que corria solta em época de seca, foi outro fato que, através dessa obra buscava não só denunciar, como também alertar. Violação (1898), classificada por Teófilo de conto, não só pela época da publicação, já que na relação de suas obras, consta como tal, mas sobretudo pela carga dramática, que se cristaliza no desfecho, conta num episódio curto a origem, evolução e desfecho macabro da bestialidade acometida em mentes transtornadas pelos efeitos da peste da cólera-morbo. Rodolfo Teófilo vale-se de sua imaginação inventiva associada às recordações da infância, de quando acompanhava o pai no tempo em que se abateu sobre a região de Maranguape aquele terrível flagelo, nos idos de 1862. Tida por muitos como novela e contos por outros, Violação relata a história do protagonista, que ao enterrar sua noiva, vítima do cólera-morbo, presenciou a pior cena que se pode imaginar: o corpo da jovem defunta foi violentado por dois padioleiros bêbados. Na mais pura descrição naturalista, o quadro de horror que se mostra é a prova da bestialidade humana, acentuada pela fome e pela peste:

O que havia ganho o cadáver, e que devia violá-lo em primeiro lugar, ergueu-se e caminhou para o corpo. Não posso explicar o que se passou em mim quando me convenci de que ia ser consumado ali o mais nefando delito da bruteza humana. Quis erguer-me e livrá-la de se prostituída depois de morta e não pude!... por maior que fosse a revolta que eu sentia, por mais intensa a descarga nervosa vibrada em meus músculos, estes não se mexeram e fiquei imóvel!(p. 255). Na segunda metade do século XIX, os elementos sociais, econômicos e políticos que sustentavam a sociedade brasileira começavam a ser postos em cheque. A contenda religiosa que envolvia o monarca, a maçonaria e o clero; a guerra do Paraguai, os movimentos abolicionistas e republicanos, a intensificação do crescimento urbano e industrial são indícios de uma maior percepção da vida nacional numa visão mais renovadora de acordo com as transformações culturais ocorridas no século. A Fome é uma obra estruturada em três capítulos e um epílogo: Êxodo (dividido em doze subcapítulos; A casa negreira (dividida em dez subcapítulos); Misérias (dividido em trinta e quatro subcapítulos) e o Epílogo, dividido em dois subcapítulos. Em Êxodo, início da narrativa, apresenta-se a Manuel de Freitas, sua mulher D. Josefa, seus filhos, sendo três menores de dez anos, outro que ainda era amamentado e Carolina, uma adolescente de dezesseis anos. Esse grupo deixava suas terras, fugindo da seca em direção à capital, Fortaleza em busca de melhores condições de sobrevivência. A ação se passa no mês de dezembro de 1877, ano de uma grande seca que fez com que muitos retirantes procurasse salvação na capital . A seca é um fato histórico que acometeu o Ceará por três anos seguidos (de 1877 a 1879), sendo que 1879 foi o pior deles, pois além da fome, também a varíola vitimou muitas pessoas. As vítimas da seca sofriam atrozmente, quando uma nova época veio abrir mais uma página no livro de seus infortúnios. A população adventícia da fortaleza se elevava a cento e quarenta mil almas! (...) Foi em dias de agosto, desse mês fatal para os supersticiosos que se ouviu o primeiro grito de alarma. A varíola viera do sul, pela estrada janeiro a junho de 2013

Letras que liga o Aracati à Fortaleza. Deu-se o ataque. Caíram feridos ao primeiro encontro, às dezenas, depois, às centenas, depois aos milhares; enfim, onde estava um organismo não preservado pela vacina, chegava a peste. (Teófilo, 1979, p.155). Teófilo foi testemunha ocular desses fatos, como grande conhecedor de sua região transpôs para o romance suas observações, isso atende à proposta de Távora, da criação de uma “literatura do Norte” e, mais ainda, quando esse escritor critica Alencar, em Cartas a Cincinato sobre o fato de, quando da publicação de O gaúcho (1870), de se “escrever a respeito de uma região da qual apenas possuía um conhecimento livresco, superficial” (Almeida, 1999, p.57). Manuel de Freitas herdara do pai modesta fortuna, contudo a seca o obrigara a se desfazer dos poucos bens que ainda lhe restava. Depois da fuga da maioria dos seus escravos, só lhe restaram cinco, de cuja venda, na capital, ficou encarregado Inácio da Paixão, primo de Freitas. Dentre os escravos, estavam Filipa, escrava doméstica da família e sua filha Bernardina. A venda das duas causou comoção em toda a família, que só o fez pela força das terríveis circunstâncias. Inácio da Paixão, ao chegar à capital, vendeu os escravos, mas perdeu todo o dinheiro em jogos de azar, não regressando à fazenda de Freitas no prazo combinado. Diante disso, a família se lançou à estrada em busca de salvação. Nos doze subcapítulos que se seguem, há episódios que chocam o leitor. Rodolfo Teófilo descreve minuciosamente cenas que causam repugnância e horror, chegando aos domínios do fantástico. Entrou a caravana e se aboletou na primeira sala. Havia ali um ar pesado das atmosferas confinadas. Nem um móvel descansava no pavimento sem ladrilho. As paredes em preto faziam mais escura a sala, que era o domicílio de morcegos. O fedor dos bichos tresandava e mais se difundia pelo movimento do ar. Espantados da caravana e medrosos da luz descreviam retas e curvas no estreito espaço em um voar adoidado. Do pêlo cor de rato caía uma chuva de pulgas, que em saltos descomunais procuravam os emigrantes e um lugar onde se esconderam janeiro a junho de 2013

nas pregas dos vestidos (p. 12-13). Apodrecia ali um cadáver de um homem, cujo rosto já estava medonho pela decomposição. A pele cianótica se estilava na putrefação, que fazia a cara disforme e horripilante. A fisionomia mais hórrida tornava o nariz, que, diluído em uma amálgama de pus e vermes, caía sobre a boca, já sem lábios, e não cobria mais os dentes alvos e sãos. Os olhos arregalados a saltar das órbitas, num olhar de morto, sem luz e consciência, pareciam fitar-se no fazendeiro. O cadáver estava vestido de camisa e calça de algodão. O hábito, entretanto, na altura do ventre estava rasgado, e rasgado também estava o abdômen pelo cão , a cevar-se nos intestinos e vísceras do morto (p. 30). Nas descrições naturalistas da obra, há parágrafos longos e detalhes minuciosos de cenas repugnantes, que podem causar no leitor menos experiente o desinteresse em continuar a leitura. O fragmento a seguir ilustra bem como o homem se animaliza ao se encontrar famélico: A frialdade do retirante impressionou desagradavelmente o fazendeiro, que, retirando a mão, tratou de fazê-lo sair dali. Num ímpeto de cólera e irritado com a teimosia do bruto, fere-o no antebraço. O faminto leva a ferida à boca e, com avidez que dearma e comove Freitas, suga o sangue que sai do ferimento, um sangue incolor como o dos insetos. A sucção era feita com uma gula infrene. O faminto parecia querer sugar pela ferida todos os líquidos do corpo. Nem uma gota mais vertendo o ferimento, começou a comer as próprias carnes! Freitas, com surpresa e mágoa, notou que o desgraçado se devorava em vida. Era preciso retirá-lo do rancho e procurar alimentá-lo. Como conduzi-lo se o contato de seu corpo era tão repugnante como o de uma aranha-0caranguejeira? Se fedia tanto como uma carniça? Pôde dominar a repugnância de seus nervos, e levou-o a vinte metros do rancho. Aí deixou-o e voltando ao quiosque, preparou um pouco de mingau, que levou ao retirante. O infeliz tinha caído no marasmo, depois de ter comido as carnes de todo o antebraço. Agonizava (p.34-35).

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O segundo capítulo, A casa negreira se subdivide em dez subcapítulos., e a temática é a escravidão. O Ceará estava passando por muitos prejuízos por causa da seca, por isso alguns negociantes resolveram trabalhar com o comércio de escravos. Prisco da Trindade era o mais importante traficante de Fortaleza e Viriato da Mata seu corretor. Viriato foi o responsável por Inácio da Paixão ter perdido todo o dinheiro da venda dos escravos de Freitas no jogo de azar. O comendador era casado com Faustina, mulher frívola e má, ambos tinham um único filho, Jacó, ao qual a mãe fazia todas as vontades. Filipa, a escrava da família de Freitas foi vendida a eles, juntamente com a filha Bernardina. Ainda a repeito de Faustina, ela encarna perfeitamente aquilo que Almeida afirma (1999, p. 52), citando Alencar: “um mimetismo embasbacado”, ou seja, um arremedo da cultura européia nos seus modos afetados, na forma de andar e de vestir. Bernardina, depois de uma desavença com Jacó, em que acaba por esbofeteá-lo , o que despertou a ira da senhora, que lhe impôs uma tarefa, impossível de ser cumprida., o que lhe custou o castigo severo de ser chicoteada. Filipa, ao ver a filha sendo supliciada tem um ataque de epilepsia. Faustina passa a ter medo da escrava e o marido resolve alforriá-la, em decorrência dos ataques, mas com a suposta bondade aparentada numa festa , em que estava sendo homenageado. Porém, isso era só um ardil para vender a menina, separando-a da mãe. Com a separação de sua filha, Filipa enlouquece. Algum tempo depois é reconhecida por Freitas que a leva para morar com ele e a família. Nesse capítulo, Rodolfo Teófilo denuncia não só os maus tratos de que eram vítimas os escravos, mercadoria humana à disposição dos seus senhores, como também os vícios. Inácio da Paixão perde o dinheiro que não lhe pertencia, bem como os padrões éticos e morais, por ser viciado em álcool e jogo. Depois de perder tudo, ele embarca para o Pará, antes deixando uma carta para o primo em que conta o ocorrido. Inácio deixa a mulher e os filhos entregues à própria sorte. Também, em consonância com a estética naturalista, é abordada a questão da doença mental, a eplepsia, que acometeu Filipa e mais tarde, o menino Jacó. Este, herdou a doença de um antepassado. A questão da hereditariedade também é mostrada por Teófilo nessa parte da obra. O terceiro capítulo, Misérias é divido em trinta e

quatro subcapítulos, nele é que está o clímax do romance. Simeão de Arruda é o antagonista nesse capítulo. Ele é nomeado comissário distribuidor de socorros públicos pelo presidente da província. Homem de má índole, usa do cargo para proveitos próprios. Aceita o cargo como um meio de vida honesto, porque acredita como muitos, que furtar do governo não é furtar. O tema central desse capítulo é a fome dos retirantes em Fortaleza onde pensavam estar sua salvação, mas a mesma estava infestada de famintos e doentes. Rodolfo Teófilo, através de Manuel de Freitas, apresenta uma Fortaleza de doentes e abandonados, muito diferente daquela da Belle Époque. Venho horrorizado, Josefa. Vi tanta miséria que me espantei. Imagina o que de horrível vi, que pôde me eriçar os cabelos, a mim, testemunha ocular das mais pungentes e medonhas cenas! Cedo desiludi-me. A fortaleza, que acreditava a nossa salvação, onde supus o conforto das populações famintas, tem o lúgubre aspecto das povoações do interior, regurgita de infelizes, que mendigam cambaleando de fome. Nos passeios das casas, nos adros das igrejas, nas praças públicas dormem ao relento, e raro é o dia que destes dormitórios não conduzam, ao amanhecer, cadáveres para o cemitério. Vi mortos, no meio da rua, um velho e uma mulher, expostos no calçamento como cães ou gatos, apodrecendo no monturo. Tive dó deles! Como estavam magros! Em suas fisionomias, podese dizer, se percebiam ainda os fundos traços de uma prolongada angústia. A peste e a fome matam mais de quatrocentos por dia! (p. 100). Ficção e realidade andam juntas na obra de Teófilo, em A fome é retratada a seca de 1787 a 1789, sendo 1788 considerado o pior de todos: “A varíola continuava a grassar com intensidade por toda a parte” (p. 158). Registros oficiais atestam o que foi esse terrível ano, principalmente o dia 10 de dezembro de 1788, chamado “O dia dos mil mortos”, conforme relata Josué de castro (2005, p. 220): Naquele terrível ano de 1788 a “febre biliosa, o beribéri, a anasarca, a disenteria, a janeiro a junho de 2013

Letras varíola haviam povoado os cemitérios, diz Rodolfo Teófilo. “Na cidade de Fortaleza, em 12 meses sepultaram-se nos cemitérios de São João Baptista e Lagoa Funda 56.791 pessoas, mortandade espantosa para uma população de 124.000 almas. As pestes despovoavam a cidade, o cataclismo da seca se estendia em suas funestas consequências até a costa. Nesse capítulo há verossimilhança com os fatos da seca e da epidemia de varíola, porém, para que a obra não seja apenas um documento é necessário ficcionalizá-los, do contrário deixaria de ter ações literárias para ser um tratado histórico. No romance em questão, Simeão de Arruda se apaixona por Carolina, mas não é correspondido. Ele tenta conquistar a moça através de algumas facilidades para a sua família, como alimentação, moradia e ajuda financeira, porém não consegue outra coisa senão a antipatia da jovem. Ele usa de vários ardis para seduzi-la, inclusive, embebeda Edmundo da Silveira, noivo dela e o embarca num navio para o Amazonas, a fim de conseguir seus propósitos escusos. Alia-se à Quitéria do cabo, uma velha com feições de bruxa, planejando um meio de possuir a menina. A velha, que acendia uma vela para Deus e outra para o diabo, convida a moça para uma novena em sua casa, mas na verdade, o plano dela e de Simeão era de realizar uma orgia, na qual ele seduziria a menina. Esse intento foi malogrado, pois Carolina não atendeu ao convite da bruxa, o comissário, então furioso e luxurioso violenta uma órfã, chamada Vitorina, que lhe foi levada pelos seus comparsas. A moça, abandonada à própria sorte, mendiga pelas ruas de Fortaleza e acaba na prostituição. Engravida, mas morre após o nascimento de sua filha, fruto da violência sofrida pelo comissário. Em Misérias, o autor relata a vida miserável da população de Fortaleza, assolada pela fome e pela varíola. A família de Freitas não ficou imune à peste, caíram doentes, o próprio, a mulher, os quatro meninos e ainda, a negra Filipa . Carolina cuidava dos seis enfermos, com devoção e carinho, chegando mesmo a vender seus cabelos dourados para conseguir algum dinheiro para alimentá-los. Tal fato pode nos remeter à personagem Luiza, de O primo Basílio, de Eça de Queiroz. Luiza como representante da estética realista, perde os cabelos depois de uma febre, “matando de vez” janeiro a junho de 2013

a mulher idealizada do Romantismo. Carolina, apesar de toda a aura romântica: bela, pura, religiosa, tem força, vitalidade e caráter, qualidades de uma mulher de carne e osso, saída não da imaginação criativa do autor, mas das páginas da vida. Carolina como um ser perfeito, que continua íntegra apesar de todos os desafios é uma fuga da realidade, o escapismo ou evasão tão cara aos românticos. A fé, principalmente na igreja Católica é outra característica romântica, atestada pelas personagens, Josefa e Carolina, principalmente. Carolina conta com o auxílio de padre Clemente, que leva sua família para o lazareto, mas de todos, só Freitas, Josefa e Filipa sobrevivem. Nesse capítulo as coisas se esclarecem: Edmundo retorna do amazonas e pede Carolina em casamento. Simeão de Arruda enlouquece, depois de tantas perversidades e morre ao lado da órfã que ele violentou e da filha que nasceu dessa situação. Inácio da Paixão retorna do Pará, devolve a Freitas o dinheiro que lhe era devido, porém encontra pelas ruas, cega e deformada pela varíola, sua filha Maria, a única sobrevivente de sua família. Tomado de remorso, tenta cuidar da menina, porém as seqüelas da peste não lhe deram chance, ela morre. Inácio da Paixão tenta reparar tantos erros cometidos e parte para o Rio de janeiro, para encontrar Bernardina e devolvê-la à mãe. Ao reencontrar a filha, Filipa recupera a sanidade. Quitéria também paga com a vida suas maldades, mas antes de seu fim, causado pela varíola, confessa ao padre Clemente tudo o que havia feito em conluio com o comissário Arruda. Termina o ano de 1789 e as esperanças renovam-se, a epidemia é quase extinta, ficam as cicatrizes no corpo e na alma daquela gente que viveu 1095 dias na mais absoluta miséria. O epílogo é dividido em duas partes, mostrando o final dado às histórias daquelas personagens. O ano de 1880 começa trazendo boas novas, para reforçar a crença popular, era dia 19 de março, dia de São José, o padroeiro do nordeste. Segundo os retirantes, se chove nesse dia é prenúncio de inverno e certeza de fartura o ano todo: “O dia fatal tinha chegado; era 19 de março! Para mais fortalecer a crença dos retirantes, foi de completo inverno. A chuva foi uma só, de manhã à noite; as nuvens carregadas de eletricidade escoaram-se no espaço sobre toda a província!” (p. 229). Carolina e Edmundo se casam e permanecem em

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Letras Fortaleza, Freitas volta com Josefa, Inácio da Paixão, Filipa e Bernardina para a fazenda, relembrando toda a sorte de sofrimentos pelos quais passara e reerguendose para recomeçar, como faz o homem do sertão. As ações ocorridas remetem a obra mais para o Romantismo que para o realismo. De realista, o romance conta com a apropriação dos fatos reais e o caráter naturalista está presente no uso de termos científicos, na linguagem áspera e na descrição exageradamente asquerosas. Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 133) aponta o pedantismo como o defeito dominante de Teófilo. A crítica reconhece o valor de Teófilo como grande conhecedor de sua região e do caráter de suas observações. Aliás, isso é o que pregava Távora, uma literatura feita por quem tivesse o conhecimento dos costumes, das tradições, da terra . diferentemente do superficialismo que ele denunciava em Alencar, quando da publicação de O gaúcho, baseado num conhecimento livresco da região sul. Pereira (id., ibid.) assevera: Sem ter dons de romancista, seria pelo menos capaz de tirar do seu abundante material alguns daqueles documentos humanos e sociais tão caros aos naturalistas. Mas o desejo de exibir conhecimentos científicos lhe tornou o estilo, já de si empedrado e baço, comicamente desajeitado para a ficção, e privou as suas personagens da fraca vitalidade que possuíam.

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Em A Fome, podem-se comprovar os vestígios deixados pelo Romantismo, nessa que é enquadrada como romance naturalista. O individualismo e o subjetivismo: “A visita do moço impressionou-a e, por um desses caprichos tão comuns ao coração humano, antes de retirar-se ele, Carolina já o amava. Não sabia o que se passava. Acordara em um mundo novo, os sonhos eram diferentes, seguia outra miragem. Depois que Edmundo saiu, afastou-se dos pais, para chorar à vontade” (p. 114). Senso de mistério: o fazendeiro decidiu-se a fazer um reconhecimento, e quando ia levantar-se viu que a sombra caminhava. Ficou imóvel e esperou. (p. 33). O reformismo é um ideal romântico, em que o herói sente-se porta-voz dos ideais coletivos, como por exemplo, a abolição, o descaso das autoridades para com os retirantes. O padre Clemente, Freitas e Edmundo da Silveira não se corrompem pela miséria,

continuam honestos e são premiados com um final feliz, o que foge aos padrões realistas. Entretanto, o mais curioso rastro do romantismo na obra é o ilogismo, caracterizado pela luta de Freitas com uma onça, em que se apresentando com uma força sobrenatural, principalmente, para um homem de 50 anos, combalido pela fome. A força da personagem nos remonta à de Peri, personagem de José de Alencar. Uma onça pintada, tão grande, que media quase dois metros da ponta do focinho à extremidade da cauda, de pé no fundo da gruta, balançando o rabo, como fazem os gatos, olhava para Freitas. Os olhos do fazendeiro fitaram os da fera ordenando-lhe que se rendesse. O animal e o homem não perdiam um movimento do seu contrário. Manuel de Freitas tinha a luta como travada. Em tais condições era a vida pela vida. Teve uma idéia, cuja elaboração foi rápida e o absorveu com todos os seus sentidos. Dessa saiu a resolução de atacar prontamente a fera. Anima-o a convicção de que a onça não resistirá à sua musculatura e ao seu terçado, e preparase para o ataque, que deve ser súbito e terrível. Sem tirar os olhos do animal, com todo o vagar e não menos precaução, lança no solo as borrachas, tira o pesado chapéu de couro, e, com a mão direita arranca o terçado da bainha. Tendo em uma das mãos o terçado e na outra o chapéu, corre sobre a fera. Esta encabrita-se, escancara a boca mostrando as compridas e aguçadas presas. Freitas agride a onça, com agilidade pasmosa, introduz-lhe o chapéu na boca, cravando-lhe ao mesmo tempo o terçado no coração (p. 19). Em O Guarani tem-se esta descrição: Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso ramo de árvore, e pés suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco. Batia os flancos com a larga cauda, e movia a cabeça monstruosa, como procurando uma aberta entre a folhagem para arremessar o pulo: uma espécie de riso sardônico e feroz contraía-lhe as negras mandíbulas, e mostrava a linha de dentes amarelos; as ventas dilatadas aspirajaneiro a junho de 2013

Letras vam fortemente e pareciam deleitar-se já com o odor do sangue da vítima. O índio, sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco, não perdia um só desses movimentos, e esperava o inimigo com a calma e serenidade do homem que contempla uma cena agradável; apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa. Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram-se mutuamente, com os olhos nos olhos um do outro; depois o tigre agachou-se, e ia formar o salto, quando a cavalgata apareceu na entrada da clareira. Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue, eriçou o pêlo, e ficou imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia arriscar o ataque. O índio, que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os joelhos e apertara o forcado endireitou-se de novo; sem deixar a sua posição, nem tirar os olhos do animal, viu a banda que parava á sua direita (Alencar, 1982, p. 21).

Diante de tudo o que foi aqui exposto, pode compreender que o romance A Fome, possui muitos elementos, tanto em seu enredo, quanto na sua estruturação, advindos da Escola Romântica, como tentei comprovar com os exemplos citados. O que é perfeitamente aceitável, mesmo que a enquadrem como uma obra naturalista, regionalista. Regionalista sim, pois Teófilo atende ao projeto defendido por Franklin Távora, quanto à criação de uma “Literatura do Norte”, que valorizasse a experiência do homem da terra, conhecedor profundo e seu povo, de seus costumes e tradições. Seguindo as correntes filosóficas e o cientificismo do século XIX, Teófilo, como homem das ciências procurou descrever as misérias que acometeram a população cearense durante a seca de 1877-1879, pecou por seu estilo exagerado, por suas terminologias técnicas, mas acertou na intenção; apresentar ao Brasil, problemas que aconteciam fora dos centros sulinos, reafirmar o caráter do sertanejo, antes de tudo um forte, como dizia Euclides da Cunha, tempos mais tarde.

Referencias Bibliográficas ALENCAR, José de. O guarani. 10 edição. São Paulo: Ática, 1982. ALMEIDA, José Maurício. G de. A tradição regionalista no romance brasileiro, 1857 – 1945. 2ª edição, Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. BUENO, Eduardo. Brasil: uma História. São Paulo: Ática, 2003. CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2002. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos 1750 – 1880, 1ªedição, Rio de janeiro: ouro sobre Azul, 2007. CASTRO, Josué de. Geografia da fome: o dilema do brasileiro – pão ou aço. 5ª edição, Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2005. COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. GALVÃO, Nogueira Walnice. Anotações à margem do regionalismo. Literatura e Sociedade, São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada/Departamento de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, n. 1, p.45.55., 1996. PEREIRA, Lúcia Miguel. Prosa de ficção (de 1870 a 1920). Rio de Janeiro: José Olympio. 1957. SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1985. ____________________. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1985. TEÓFILO, Rodolfo. A Fome – Violação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. janeiro a junho de 2013

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Autoestima e Sala de Aula: Algumas Considerações Rogério Emiliano de ASSIS Docente da Faculdade Mauá de Brasília Mestre em Linguística Aplicada – Universidade de Brasília (UnB)

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Este artigo versa sobre a importância de a Linguística Aplicada, bem como a subárea de Aquisição de Segunda Língua, debruçar-se sobre o construto afetivo autoestima. De cunho bibliográfico, encontram-se aqui os caminhos pelos quais esse construto percorrido na Psicologia, Educação e, modestamente, na Linguística Aplicada. E devido a essa modéstia, conclamam-se pesquisas mais frequentes acerca da autoestima que é, inegavelmente, trazida à sala de aula de segunda língua, onde essa variável pode influenciar no processo de ensinar e aprender línguas.

Introdução Embora pesquisas sobre a relação afetividade e aprendizagem sejam profícuas nos departamentos de Educação e Psicologia das universidades brasileiras, questionamos como os resultados providos desses estudos podem ser aplicados à realidade de ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras2 em contextos nacionais. Sugiro um debruçar-se da Linguística Aplicada (doravante LA), e de suas diversas subáreas, em um dos componentes do domínio afetivo: a autoestima dos professores e dos aprendizes de línguas esjaneiro a junho de 2013

Letras trangeiras. Não é fácil e espontâneo encontrar no cenário de pesquisa brasileiro estudos científicos, em se tratando de dissertações e teses, que problematizam a autoestima; mais laborioso e árduo é encontrá-los no contexto da LA no Brasil3. Consultas aos bancos de dissertações e teses de centros universitários de renome exibirão essa carência. As produções acadêmicas, quando encontradas, estão atreladas a outros departamentos distintos dos da LA. Como ilustração dentro dos domínios da LA, encontramos uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado. A primeira intitulada A autoestima de professores de língua inglesa em formação inicial, de Karyne Silveira, defendida em 2010. A segunda pesquisa, uma tese intitulada A autoestima na sala de aula de literaturas em língua inglesa: a compreensão dos alunos, de Neuda Lago, defendida em 2007. Esses dois estudos contemplam um dos temas de LA. No artigo Sessenta anos de linguística aplicada: de onde viemos e para onde vamos, os autores Paiva, Silva e Gomes (2009, p. 41-42) classificam a produção da pesquisa em LA no Brasil de acordo com os temas das comissões científicas da Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA). O estudo de Silveira (2010) e o de Lago (2007) podem residirse nos temas de número 22 e 24, respectivamente, Psicolinguística e Aquisição de Segunda Língua. Ressalto aqui que pedidos para que os estudos sobre afetividade sejam mais verticalizados para o construto autoestima e para as terras da LA não implicam uma apologia da concorrência com as produções científicas correntes. Uma abordagem precisa da outra. Elas são complementares, não concorrentes. Apenas rogamos uma lapidação pelas mãos da LA em um construto pouco analisado nela mesma. PRIMEIROS PASSOS A palavra estima origina-se do verbo latino aestimare. Suas acepções apresentam termos como apreciar; prezar; determinar por cálculo ou avaliação o preço ou valor de (FERREIRA, 1999, p. 836). Para Cunha (1986, p. 331), estima abrange os termos avaliação; apreço e amor. Assim, podemos inferir que autoestima refere-se ao apreço, ao valor e ao amor que cada pessoa tem de si mesma. Para Voli (2002, p. 50), o sentido hedonístico de autoestima sofreu alterações. Foram-lhe adicionadas janeiro a junho de 2013

duas conotações de responsabilidade. A primeira diz respeito à responsabilidade da pessoa por si própria; e a segunda, à responsabilidade da pessoa para com o outro. Dessa forma, a autoestima de um indivíduo refere-se à apreciação da própria importância e valor, bem como ao compromisso de ele assumir a responsabilidade por si mesmo e por suas relações intra e interpessoais. Branden (2000, p.16) expõe que o mundo está se conscientizando do seguinte fato: a realização do potencial de uma pessoa processa-se com uma autoestima saudável. Ainda, de acordo com Branden (2000, p. 14), a preocupação sobre a transcendência da autoestima na vida das pessoas consolidou-se nos Estados Unidos a partir da década de 1970. Investigavam-se, à epoca, as correlações entre o construto em questão e o trabalho, a vida conjugal, a escola etc. Porém, a autoestima chamou mais a atenção da sociedade na década de 1980. Nesse período, falava-se mais abertamente de sua importância para o bemestar da humanidade. Foi o tempo em que os educadores, psicológos e psicopedagogos começaram a refletir sobre a participação da autoestima no desempenho dos aprendizes. Para Cabral (2006, p. 18), embora tenha havido um interesse crescente por questões que envolvam o construto autoestima, a atenção abunda no escopo da autoajuda. São obras que, não raro, falham na apresentação de embasamento teórico e descontextualizam historicamente o conceito de autoestima. Configuram-se leituras subjugadas ao religioso, ao senso comum e ao espírito. Infelizmente, os autores fulcrais ainda são estrangeiros. Entre eles, traduzidos para a língua portuguesa, citamos alguns: André & Lelord (2003); Branden (2000); Briggs (2000); Douglas (1998); Miceli (2003); Rogers (1982); e Voli (2002). Ainda que o tratamento terminológico ao conceito autoestima varie nas pesquisas desses autores, eles debruçam-se cientificamente sobre este fenômeno. A respeito da diversidade de acepções para autoestima, podemos propor duas razões para tal evento. O primeiro motivo pode ter seu lugar na peculiaridade vocabular das línguas em geral. Aragon & Diez (2004, apud CABRAL, 2006, p. 16) asseguram que a palavra autoestima não existe em línguas como

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a francesa e a italiana, as quais empregam, respectivamente, autoconceito e autoimagem positiva ou negativa. André & Lelord (2003, p. 15) aclaram que os franceses se referem à autoestima registrando a palavra amor-próprio. A outra razão por que coexistem mais de um termo para se referir à autoestima pode ser explicada pelas agendas dos pesquisadores e paradigmas de seus estudos. Os campos da Psicologia, da Psicopedagogia, da Pedagogia, da Psicanálise e da LA, por exemplo, ao lançarem mão de jargão, técnicas de pesquisa e abordagens próprios, colorem o construto em causa de sentidos variados. Apesar da multiplicidade terminológica constituir-se matéria abundante e auxiliadora para a compreensão das correlações entre sentidos diferentes e implicações nas pesquisas sobre autoestima, minha intenção aqui se concentra em provocar o debate a respeito da importância deste componente afetivo no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, lapidado por mãos da LA brasileira. Acredito que a autoestima esteja relacionada diretamente com questões de aprendizagem, visto que as dificuldades em aprender têm gerado desajustes afetivos e emocionais, provocando, por conseguinte, a baixa da autoestima. Por igual, os problemas de afetividade e desajustes emocionais podem ocasionar desordens e desfocamento na percepção do aprendiz, implicando obstáculos na aprendizagem. Assim, advogo um debruçar-se sobre este construto afetivo no microcontexto de sala de aula. A meu ver, tratar o aprendiz com afeto não implica cobri-lo de beijos e abraços. Nem significa procurar agradá-lo. Educar com afeto significa sair da indiferença docente: conviver com nosso aprendiz de modo indiferente traduz-se na ausência de afetividade. A sala de aula de línguas estrangeiras onde a afetividade está presente, provavelmente, formará pessoas com condições para lidar com autoestima. Para tal, uma relação de respeito e cumplicidade entre professor e aprendiz deve ser estabelecida. Além disso, faz-se mister uma conscientização geral da influência dos colegas na definição da auto-estima de cada aluno. Jones e Newman (2009), por exemplo, mostram o forte impacto na auto-estima de adolescentes causado pela avaliação que seus colegas fazem a seu respeito. Além dessa relação entre pares, a autoridade do professor não pode perder-se dos olhos.

Na nossa concepção humanista, a autoridade está mais intrincada com responsabilidade do que com obediência. O professor deve sentir-se responsável. Cremos que se o professor conseguir perceber o sobrepujamento do que seus aprendizes pensam; se conseguir escutar as suas histórias de vida; e sentir empatia por suas dores e sucessos; ele terá autoridade, porque o ser humano que se sente escutado e acolhido consegue respeitar regras. Assim sendo, afetividade e autoridade são dimensões que precisam estar manifestas na relação professor e aprendiz. A respeito da relação autoestima e desempenho na sala de aula de línguas estrangeiras, Scherer (2008) argumenta que essas duas dimensões estão intimamente relacionad[a]s. Em outras palavras, a autoestima funcionaria, assim, como uma mola propulsora para a aprendizagem do aluno que, ao se dar conta de que aprendeu, sente-se bem por ter aprendido e capaz de aprender mais. (SCHERER, 2008, p. 52). Ademais, um outro evento que demanda pesquisas sobre a autoestima encontra-se no bojo das instituições formadoras de professores e da própria escola: a maioria dos professores não tem conhecimento ou ignora as relações existentes entre as dificuldades na aprendizagem e a baixa autoestima dos aprendizes. Cremos que existem poucos programas para professores que ofereçam cursos ou disciplinas que os preparem em como ensinar afetivamente. Segundo Lago (2007, p. 44), uma das teorias que marcantemente relacionou a área de ensino de línguas estrangeiras com a afetividade foi a de Krashen, conhecida como teoria do monitor. Entre as cinco hipóteses que compõem essa teoria, a do filtro afetivo apresenta-se como a grande contribuinte dessa relação. Para Krashen, o estado mental do aprendiz, dependendo de sua disposição, pode levantar uma barreira imaginária – o filtro afetivo – que o impede de aprender. Dessa forma, domínios emocionais como ansiedade ou autoestima baixa podem elevar o filtro afetivo, o que limita o que é compreendido e aprendido. Para Branden (2000, p. 257), o incentivo à autoestima tem de ser integrado aos currículos escolares, a fim de apoiar os jovens para que insistam nos estudos e de ajudar a prepará-los psicologicamente para um mundo em que a mente é o principal bem que cada um pode ter. Pelo que foi exposto, investigações no escopo da janeiro a junho de 2013

Letras Linguística Aplicada, bem como nas suas subáreas ou temas, serão bem-vindas e essencialmente necessárias para o progresso na educação pelas línguas, stricto sensu; e na promoção dos quatro pilares da educação contemporânea, lato sensu. A escassez de estudos sobre a autoestima dos aprendizes pode ser demonstrada, como ilustração, numa pesquisa da educadora Zagury (2006) em que educadores de áreas distintas apontaram as principais dificuldades vivenciadas por professores: Manter a disciplina – 22% dos entrevistados; Motivar os alunos – 21% dos entrevistados; Fazer a avaliação dos alunos – 19% dos entrevistados; Manter-se constantemente atualizado – 16% dos entrevistados; Escolher a metodologia mais adequada – 10% dos entrevistados (ZAGURY, 2006, p. 83). Pode-se depreender, desses dados, ainda uma preocupação que se esquiva das questões afetivas na dinâmica escolar. Não quero dizer que os problemas ali apontados sejam ilegítimos e desimportantes. Manifesto-me, porém, a favor de avaliações que relacionem a afetividade, e mais especificamente a autoestima, com as dimensões cognitivas. Buscamos em Vygotsky (1996) a idéia alicerçadora da unidade cognição-afeto no desenvolvimento humano. Moura Filho (2000) aponta essa despreocupação com os domínios afetivos ao afirmar: Há, entre os educadores e educadoras, uma preocupação cada vez maior em identificar e superar os obstáculos à aprendizagem. Esses obstáculos vão de uma excessiva preocupação conteudística, que não deixa espaço para que se realizem os aspectos sociais e emocionais intrínsecos ao processo de ensino-aprendizagem, até o perene descompasso entre as políticas educacionais e as práticas docentes. (p. 5).

Ao desfazer a dicotomia entre emoção e razão, o psicólogo bielo-russo expõe que aquilo que sentimos não pode ser processado ou demonstrado de modo dissociado do nosso pensamento. Às vezes, nomeamos e verbalizamos nossa emoção; outras, deixamona se revelar por atitudes que indicam, por exemplo, ciúme, raiva, ofensa (Vygotsky, 1996, p. 57). No contexto de sala de aula, a relação entre professores e aprendizes exige com urgência um equacionamento dos aspectos cognitivos e afetivos. Por essa razão, econtramos em Antunes (1996) uma afirmação janeiro a junho de 2013

que se coaduna com minha óptica. Se um professor assume aulas para uma classe e crê que ela não aprenderá, então está certo e ela terá imensas dificuldades. Se ao invés disso, ele crê no desempenho da classe, ele conseguirá uma mudança, porque o cérebro humano é muito sensível a essa expectativa sobre o desempenho. ( p. 56). Igualmente, ecoo com o psicólogo humanista Rogers (1977) a seguinte filosofia: são três as condições fundamentais à aprendizagem: ter empatia; aceitar incondicionalmente o aluno; ser autêntico. A empatia permite que o educador compreenda os sentimentos do aluno e lhe comunique que ele está sendo compreendido. A aceitação positiva e incondicional consiste em aceitar os alunos como eles são, sem julgá-los; a afeição do professor por seus alunos deve ser incondicional, o professor deve aceitar os alunos sem reservas. Ser autêntico, honesto ou congruente significa ‘ser-o-que-se-é’, a pessoa congruente se aceita e se compreende. Se o professor oferecer essas três condições, então, as crianças serão livres para aprender. (p. 108).

Uma relação de afetividade, empatia e sinceridade entre professores e aprendizes pode promover uma atmosfera adequada para a geração e preservação de autoestimas saudáveis7 entre os atores envolvidos tanto no ensino como na aprendizagem. Num sentido panorâmico, o trato com o outro mediado por laços afetivos configura-se num resgate a valores humanos frequentemente olvidados no corre-corre da rotina. Essa ação atitudinal na ecologia da escola contempla uma das aprendizagens (ou um dos pilares) da abordagem de ensino de Delors (2003): aprender a viver em comum. O aprendiz que está convencido de que sua imagem retrata o fracasso cultiva pouca motivação para realizar tentativas. Não há nele energia suficiente para enfrentar os desafios escolares. Se não há autoconfiança, as chances de sucesso são reduzidas, e isso se dá em qualquer nível de escolaridade. A pesquisa conduzida por Bennett (2009), entre alunos universitários britânicos, mostra que três componentes da sua auto-estima específica como estudantes foram muito relevantes na sua vida acadêmica, a saber: a autoconfiança na sua própria competência acadêmica, a auto-apreciação do seu valor pessoal como alunos e a

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Letras auto-conexão com sua circunstância atual de alunos de graduação. Briggs (2000, p.7), defendendo a importância da afetividade na vida das crianças, expõe que “a chave de uma aprendizagem bem-sucedida” encontra-se em ajudá-las a desenvolver sua autoestima. Para nós, a extensão de sentido de “crianças” altera-se para a idéia de “aprendiz”. A minha inquietação em conduzir a militância de pesquisas sobre a autoestima na LA deve-se à minha crença de que o emocional também é um dos pilares no processo de ensino-aprendizagem. A esse respeito, Chalita (2001, p. 193) relata que a Educação deve promover três habilidades fundamentais: a cognitiva; o aprender a aprender; e a emocional. Sobre essa última habilidade, o professor, político e escritor paulista enuncia que [o] grande pilar da educação é a habilidade emocional. Trabalhar emoção requer paciência. A emoção trabalha com a libertação da pessoa humana. A emoção é a busca pelo foco interior e exterior de uma relação do ser humano com ele mesmo e com o outro. É o caminho para construção da autonomia e da conseqüente felicidade. (CHALITA, 2001, p. 213).

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Essa citação harmoniza-se com a definição – já exposta aqui – de Voli para o construto autoestima (2002, p. 50). Para esse autor, a autoestima da pessoa implica uma responsabilidade para com ela e o outro; um alcance afetivo e valorativo em suas relações intra e interpessoais. Cremos que a educação pelas línguas deve incorporar em seu discurso formativo a promoção de aprendizes realizadores e em constante aprendizagem. Partilhamos com Celano (1991, p. 34) a opinião de que a circulação dos conteúdos na sala de aula precisam ser “integrados entre si não mais como um quebra-cabeça de peças perdidas, mas numa teia de fios inter-relacionados e leves, tecidos por mentes unificadas e mãos afetivas”. Por essas razões, conclamo pesquisas regulares, sobretudo na área de Linguística Aplicada, que se dediquem às questões de ensino-aprendizagem de línguas intrincadas com as dimensões da autoestima tanto dos professores como dos aprendizes. Essencial a menção feita ao professor, porquanto preocupar-se com sua autoestima é tão urgente como

inquietar-se com a do aprendiz. É bem provável, para mim, que a baixa autoestima do professor pode influenciar sobremodo a dinâmica de sua sala de aula. A respeito desse contexto em que a autoestima do professor exerce modificações na atmosfera da sala de aula, Branden (2000) expõe que a autoestima do professor é um fator relevante no sistema educacional, uma vez que o professor com baixa autoestima quase sempre dá preferência a táticas destrutivas e humilhantes para manter o controle da classe, e acabam por aumentar os problemas de autoestima que os alunos já têm. (p. 58).

Aqueles que educam pelas línguas – e todos num sentido genérico – precisam perceber que a sua responsabilidade para com o aprendiz não se encerra no ensino da língua-alvo (ou de quaisquer disciplinas). Além disso, o dever humano do professor põe em obra a formação de pessoas. Dessa forma, o professor representa uma peça-chave acrônica na co-autoria do desenvolvimento cognitivo, moral e afetivo de seus aprendizes. Na minha opinião, a relação professor-aluno deve ser pautada na colaboração, apoio mútuo, respeito, dignidade, integridade, sinceridade, capacidade, abertura, amor e compaixão. O professor, para tanto, deve aceitar a sua realidade sem preconceitos, frustrações, irritação, medos, ressentimentos e culpa. Entendemos que sem uma “autoestima saudável” do professor (Branden, 2000, p. 24), esse cenário não se materializará. Para Demo (1998, p. 87), “se educação básica é instrumentação fundamental da cidadania, o professor não poderia ser agente dela, sem ser, ele mesmo, cidadão”. Assim, para que o professor possa despertar em seus aprendizes os valores de cidadania, respeito próprio e com os outros, pesquisas voltadas para questões de autoestima de todos os atores envolvidos na sala de aula precisam ser fomentadas. Meu desejo não é descabido e tão ambicioso a ponto de enxergar os estudos de autoestima, sobretudo na área de Linguística Aplicada, como salvadores de uma educação (pelas línguas ou não) anestesiada da humanização na sala de aula. No entanto, essas injaneiro a junho de 2013

Letras vestigações podem ser um fio de Ariadne que nos conduza para fora do labirinto que dicotomiza razão e emoção. Advogo aqui um processo de ensino-aprendizagem de línguas e uma agenda de pesquisas na Linguística Aplicada que nos façam enxergar a sala de aula de língua estrangeira em vez de vê-la; tocá-la em vez de pegá-la; escutá-la em vez de ouvi-la; degustála em vez de prová-la; e recitá-la em vez de falar dela. Inevitavelmente, durante o processo de ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras, o aprendiz defrontar-se-á com obstáculos externos e internos. Segundo Almeida Filho (2005, p. 17), existem diversas variáveis que caracterizam a complexidade de um cenário de aprendizagem de línguas. Aquelas de cunho afetivo são de natureza intrínseca ao aprendiz, ou seja, estão ligadas a dimensões de sua personalidade, atitude e motivação. Essas variáveis se combinam com as físicas (cansaço, por exemplo) e com as sócio-cognitivas (estratégias conscientes e inconscientes de organização da experiência do contato linguístico em contextos de interação via língua-alvo). De acordo com Brown (1994, p. 61), os seres humanos são emocionais; por conseguinte, muitos pesquisadores têm se debruçado sobre a força das variáveis afetivas no processo de aquisição de uma segunda língua. Mangubhai (2003, p. 115) narra que, quando as crianças entram nos anos da adolescência, elas começam a comparar-se profundamente com as outras pessoas ao seu redor. A idéia de autoconceito passa a ser desenvolvida num grau mais abrangente. E já adolescente, há uma consciência de como os outros as veem. Em suma, a criança torna-se mais autoconsciente. As comparações que os adolescentes fazem em relação aos outros afetam o processo de aprendizagem de uma segunda língua. E à medida que maturam, passam a cultivar crenças de que os erros não podem ser cometidos. A razão dessas crenças reside-se em fatores que põem em risco a sua autoestima: sentem-se humilhados ou tolos ao errarem na sala de aula. A forma como o professor de línguas trabalha com as situações em sala, como a correção dos erros acima mencionados, tem um impacto profundo na visão que o aprendiz tem de si mesmo. Assim, o que queremos dizer é que existem maneiras de o professor de língua estrangeira incorporar no seu dia-a-dia de sala de aula ações pedagógicas que promovam e preservem sua autoestima saudável e a de seus aprendijaneiro a junho de 2013

zes. A atitude do professor associada com estratégias e técnicas de ensino adequadas ao seu desenvolvimento cognitivo e emotivo afetam consideravelmente o sucesso dos aprendizes. Como ilustração, pesquisas conduzidas por Helm (2007, p. 109) mostraram que aprendizes que começam sua trajetória escolar com pouco dinheiro e sem apoio familiar podem alcançar o sucesso na aprendizagem caso os professores se interessem em investir nesses aprendizes. Adicionalmente, o estudo de Rannard e Glenn (2009) relaciona capacidade lingüística e auto-estima, realçando a íntima correlação entre esta e a noção pessoal de competência e aceitação social. De acordo com Brown (1994, p. 135), o domínio afetivo apresenta-se como “o lado emocional do comportamento humano”. Por analogia, o domínio cognitivo pode ser retratado como o lado mental do comportamento das pessoas. Essas definições sugerem uma divisão entre a cognição e a afetividade. Porém, efetivamente, esses domínios são duas efígies da mesma moeda. Scovel (2000, p. 140), ao expor a urgência em investigar e compreender as relações entre emoção e aprendizagem, argumenta que ainda existem esforços para apreender o funcionamento das emoções no ensino-aprendizagem de línguas. Para ele, a ironia subjaz no fato de a emoção poder provar ser a força mais influente na aquisição de linguagem. No entanto, as variáveis afetivas constituem o escopo que os pesquisadores de aquisição de segunda língua entendem menos.

Considerações Finais Conclamo pesquisas, dentro da grande área da LA, que levem em consideração o impacto da autoestima nas ações dos professores e aprendizes de línguas estrangeiras. Acreditamos que essa variável afetiva, dependendo de sua flutuação, pode levar esses atores a se engajarem com o ensino-aprendizagem pelas línguas, ou fazê-los resistir e evitar esse envolvimento. Rogo que as pesquisas sobre a autoestima na sala de aula de línguas estrangeiras não se verticalizem em abordagens individualistas e essencialistas. Valorizações exacerbadas de taxonomias e terminologias só promovem a estagnação, o estatismo e a es-

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Letras tereotipagem do objeto em questão. Não podemos ignorar a ecologia social e a biografia do professor e do aprendiz. A dinâmica processual da autoestima não se dá dentro de um organismo individual isolado. Pedimos uma abordagem de estudos que conceba a autoestima como um domínio afetivo relacional, fluido e mútavel. A influência do professor em seus aprendizes ultrapassa os limites do ato de ensinar línguas. A força do professor tem seu lugar na sua relação com o aprendiz, no modo como o trata, na maneira de projetar nele uma imagem positiva de seu potencial, na confiança na capacidade do aprendiz, no modo como age evitando ridicularizá-lo e humilhá-lo, por fim, na maneira como age para considerar a dignidade do aprendiz como pessoa humana. Para Wallon (1986, p. 7), o elemento que possibilita o avanço no domínio intelectual é a afetividade, “pois são os motivos, necessidades e desejos que dirigem o interesse da criança para o conhecimento e conquista exterior”. Conclui-se daí a importância de

utilização (e mais investigação) dos aspectos afetivos para promover o cognitivo (sobretudo na sala de aula de línguas estrangeiras). A afetividade pode ser abordada consoante diferentes perspectivas, entre elas, a filosófica, a psicológica e a pedagógica. Aqui, abordamo-na no contexto pedagógico, ou seja, objetivamos a relação educativa que se estabelece entre o professor e seus aprendizes na sala de aula de línguas estrangeiras. Então, aplicamos o conceito de afetividade proposto por Codo e Gazotti (1999) que se apresenta como um “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza” (CODO e GAZOTTI, 1999, p.69). Propomos que, para fins de pesquisa em Linguística Aplicada, o construto autoestima possua, quando problematizada, afinidade profunda entre os seres humanos, significando a existência de um fio, de uma conexão que tenha por regra a reciprocidade.

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1. Sobre a Revista

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