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Kafka Cap. 7 Flipbook PDF

Livro_Kafka_Cap_7_Responsabilidade_Dispersiva_E_Obrigações_Acessórias


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responsAbilidAde dispersivA e obriGAções AcessóriAs Estudo de Caso:

O ônus da fiscalização em face da ineficiência do Fisco não pode ser transferido ao contribuinte sob a forma de presunções ou obrigações acessórias K. reconhece o Deus mau como legítimo e define a instância suprema sempre como aquela que não se submete à lei. “Nossas leis não são conhecidas de todos”, diz‑se em “A respeito da questão das leis”, “mas são segredos do grupo aristocrático... A nobreza está fora da lei”. O imoral transmuda-se, portanto, no extramoral e este no supramoral. Mas este não é o clímax. Visto que as leis não são vinculantes para o grupo aristocrático, talvez elas absolutamente não “estejam” lá (existam). “Talvez – prossegue Kafka, aliás – “estas leis absolutamente não existam”. Isto é: é possível que elas tenham apenas existência apenas na obediência, apenas naquele que a cumpre (e que certamente não a conhece). As autoridades, portanto, não só não estão obrigadas por suas próprias leis, como também depois de as terem “dado”, de certo também já “renunciaram” a elas: são, agora, o entulho da legalidade (...). No fim do “Processo”, durante seu interrogatório na igreja, K. exclama: “Como pode o homem ser culpado. Nós todos somos homens, tanto um como o outro”. Isto é, ele compreende sua culpa tão pouco quanto nós. Mas no romance se segue a esta exclamação sensata de K. a réplica terrível: “Certo. Mas assim costumam falar os culpados”. Kafka fala pelas duas frases. É irrespondível aquele a quem, afinal ele dá a razão. Pois o seu veículo é a dúvida. (O processo, Franz Kafka, 1920, análise de Günther Anders)

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Isaias Coelho, ex-Secretário-Adjunto 1. O processo de Kafka e o desespero da Receita Federal, ex-diretor da Divisão do contribuinte perante omissão da de Política Tributária do Fundo Monetário autoridade sobre a voz da legalidade Internacional (onde atuou por 20 anos) e concreta: responsabilidade dispersiva e atual Consultor dessa mesma Organização a prática de delegar ao contribuinte os (FMI), traduz e relata de modo certeiro a deveres de Estado de fiscalizar outros iniquidade desse tipo de medida – em que o contribuintes Fisco delega seus deveres de fiscalizar para o contribuinte – a qual podemos denominar, segundo recente texto Understanding Multidimensional Tax Systems, de Leslie Robinson (Dartmouth College) e Joel Slemrod (University of Michigan), de responsabilidade dispersiva (Dispersed Responsibility): trata-se do “fenômeno que temos discutido ultimamente no Núcleo Estudos Fiscais – NEF da DIREITO GV, e que se traduz pela delegação ao Contribuinte, por parte da Administração Tributária, da responsabilidade pela determinação e notificação (nos demais países lusófonos e na América espanhola chamada mais propriamente de liquidação) dos tributos, principalmente através do uso generalizado das retenções pelas fontes pagadoras. Esse texto nos traz conclusões interessantes”. Segundo Slemrod e Robinson,1 a responsabilidade dispersiva (“RD”) é maior nos países em desenvolvimento, que usam relativamente mais retenções e menos funcionários fiscais que as economias desenvolvidas. Os autores também analisam a relação (correlação positiva) entre, de um lado, corrupção e suborno, e, de outro, autonotificação e retenção na fonte. Eles também detectam que onde há mais confiança do contribuinte no governo, há menos autolançamento/retenção de tributos na fonte. Também extraem outras importantes relações, pelo que o artigo tem o nome de “Entendendo sistemas tributários multidimensionais” (tradução livre). É interessante notar o que se esconde por detrás da lógica da autuação em que o abuso de uma “responsabilidade dispersiva” culmina em uma IRRESPONSABILIDADE INJUSTIFICÁVEL, qualificada como abuso de poder e desvio de finalidade da competência administrativa de lançar e propor penalidades tributárias. Nesse sentido, ressaltam os autores o efeito negativo que essa sistemática acarreta no aumento dos custos de compliance:2 1. SLEMROD, Joel; ROBINSON, Leslie. Understanding Multidimensional. Disponível em: http://webuser.bus.umich.edu/jslemrod/pdf/UnderstandingMultidimensional.pdf. Acesso em 06.04.2014. 2. Idem, p. 10.

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(...) compliance costs are relatively high (when measured by hours spent) precisely when the government´s administrative capacity is constrained, thus shifting the compliance burden from the government to the taxpayer.

Combinam-se, assim, confortavelmente, a exigência exponencial de obrigações acessórias e a desídia no uso dessas informações mesmo quando há razões disponíveis para que a própria autoridade fiscal lavre o auto de infração. 2. ESTUDO DE CASO: DELEGAÇÃO DO ÔNUS DA FISCALIZAÇÃO EM FACE DA INEFICIÊNCIA DO FISCO NÃO PODE SER TRANSFERIDA AO CONTRIBUINTE SOB A FORMA DE PRESUNÇÕES OU OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS

Sob a liderança e a imagem de seu fundador, a EMPRESA K foi fundada no interior de São Paulo, no roteiro do acolhedor “Circuito das Águas”, onde iniciou a produção orientada pelos valores do trabalho e da honestidade, bem aos moldes de típica empresa familiar do interior. Em 2002, a EMPRESA K recebeu em sua matriz o Agente K, Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo, como bem colocado no documentário-descritivo do jornalista Rui dos Santos, anexo a este Estudo.3 Após o processo de fiscalização, a empresa recebeu aproximadamente R$ 132 milhões de cobrança de ICMS, divididos em 30 autos de infração lavrados ao longo dos anos de 2005 a 2008, relativos aos períodos de 2000 a 2005, sendo a maioria COM A MESMA MOTIVAÇÃO: presunção da realização de operações internas por não ter sido comprovada a saída das mercadorias do Estado de São Paulo, o que impõe a aplicação da alíquota interna, superior à alíquota interestadual aplicada inicialmente pela EMPRESA K para tais operações. A análise das notas fiscais juntadas na autuação demonstra que a maioria das autuações se refere à presunção da realização de operações internas por não ter sido comprovada a saída das mercadorias do Estado de São Paulo (“Vendas FOB4”). O pedido de comprovação das operações autuadas foi requerido pelo Agente Fiscal especialmente por conta de notas fiscais declaradas inidôneas, embora muitos dos atos declaratórios de inidoneidade tenham

3. Anexo ao Estudo. 4. A sigla FOB deriva da expressão do Direito Internacional, em inglês, Free on Board, que, aplicada ao presente caso, significa que a responsabilidade pelo transporte das mercadorias passa a ser do comprador a partir do momento que este as retira das instalações da empresa.

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sido publicados pelo Fisco Estadual somente após a realização dos fatos geradores objeto das autuações.5 Além dos Autos de Infração, a EMPRESA K também figurou – e ainda figura – como acusada em inquéritos instaurados para apuração de fraude dessas empresas, fictamente localizadas fora de São Paulo. Parte desses procedimentos já foi objeto de regular arquivamento a pedido do próprio Ministério Público, que concluiu que inexistiam indícios de envolvimento da autuada em qualquer esquema fraudulento ou simulado. O restante dos inquéritos ainda não foram definitivamente relatados pela autoridade policial (ainda encontram-se em tramitação). A EMPRESA K é uma indústria química 100% 3. PROPORÇÃO DAS OPERAÇÕES nacional, que fabrica produtos de limpeza em geral AUTUADAS EM RELAÇÃO AO CONTEXTO (sabão, detergentes e derivados). Além de realizar OPERACIONAL DA EMPRESA K seu objeto social, a EMPRESA K é obrigada, por lei, a pagar tributos e cumprir complexas obrigações acessórias. Mas o Fisco quer mais: quer que a empresa também fiscalize outras empresas. Pior, pretende responsabilizar o Contribuinte pela ineficiência do sistema de informações cadastral-tributárias eleito pelo próprio Fisco (Sintegra, CNPJ etc.): não basta ser contribuinte, não basta pagar imposto, tem que fiscalizar e pagar imposto pela ineficiência da fiscalização do próprio Estado. A EMPRESA K fornece seus produtos de limpeza para uma base de aproximadamente 25.500 clientes, entre eles grandes, médios e especialmente pequenos supermercados espalhados por todo o Brasil. Emite, em média, 1.600 notas fiscais de saída de produtos por dia, 40.000 notas fiscais por mês e cerca de 480.000 notas fiscais por ano. Nos anos de 2000 a 2005, período em que foi objeto de autuação, foram emitidas 923.413 (novecentas e vinte e três mil quatrocentos e treze) notas fiscais. Deste total, somente 11.701 operações foram autuadas.

5. À época a EMPRESA K possuía um sistema de controle da regularidade fiscal de seus clientes junto ao Sintegra. Os autos de infração que tiveram como fundamento a inidoneidade declarada à época da venda das mercadorias foram devidamente quitados pela EMPRESA K, que reconheceu seus erros quanto à verificação da regularidade fiscal destes destinatários junto ao Sintegra.

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EXTO

Contudo, o ambiente de insegurança e incerteza gerado pela prática dessas autuações obrigou a diretoria da EMPRESA K a deliberar em favor da contratação de uma empresa especializada em auditoria e certificação, para fiscalizar e tomar todas as cautelas na eleição de seus clientes, especialmente em operações interestaduais, ao custo aproximado de R$ 500.000 por ano, justamente para realizar o serviço público que deveria ser de competência do Fisco paulista: fiscalizar. 4. O ATO JURÍDICO DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES DE SP, O SINTEGRA E SEUS EFEITOS E O ATO DECLARATÓRIO DE INIDONEIDADE COMO FATO JURÍDICO QUE ATUA NA CONFORMAÇÃO DO FATO GERADOR DO ICMS

Abrir uma empresa em Delaware nos Estados Unidos é uma operação que pode demorar 30 minutos, é realizada via internet no site do próprio Governo do Estado e as custas podem ser pagas via cartão de crédito. No Chile, no máximo em 24 horas tem-se aberta a pessoa jurídica. Não é esse o caso do Brasil, nem do Estado de São Paulo, em que a criação de uma empresa cumulada com a sua efetiva autorização para operar em conformidade com o Cadastro de Contribuintes do ICMS pode demorar meses, tudo em função do alto grau de controle e exigência do Fisco paulista nesse ato administrativo de inscrição, ex vi do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, aprovado pelo Dec. 45.490, de 30.11.2000 (“RICMS/SP”):6 CAPÍTULO IV – DO CADASTRO DE CONTRIBUINTES SEÇÃO I – DA INSCRIÇÃO SUBSEÇÃO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 19. Desde que pretendam praticar com habitualidade operações relativas à circulação de mercadoria ou prestações de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação, deverão inscrever-se no Cadastro de Contribuintes do ICMS, antes do início de suas atividades (Lei 6.374/1989, art. 16, com alteração da Lei 10.619/2000, art. 1.º, VIII): I – o industrial, o comerciante, o produtor e o gerador; II – o prestador de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação; (...)

6. Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www. fazenda.sp.gov.br/download/ricms.asp. Acesso em 16.03.2014.

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§ 1.º Inscrever-se-ão, também, no Cadastro de Contribuintes do ICMS, antes do início de suas atividades: 1 – a empresa de armazém geral, de armazém frigorífico, de silo ou de outro armazém de depósito de mercadorias; 2 – o prestador de serviço de transporte de carga intramunicipal ou internacional. § 2.º Qualquer pessoa mencionada neste artigo que mantiver mais de um estabelecimento, seja filial, sucursal, agência, depósito, fábrica ou outro, inclusive escritório meramente administrativo, fará a inscrição em relação a cada um deles. § 3.º A inscrição será feita na forma estabelecida pela Secretaria da Fazenda. § 4.º Se o estabelecimento for imóvel rural situado no território de mais de um município, a inscrição será concedida em função da localidade da sede ou, na falta desta, do município onde se localize a maior parte de sua área neste Estado. § 5.º Em relação aos ambulantes, feirantes e prestadores autônomos de serviços, conceder-se-á a inscrição em função da localidade de sua residência.

Muitos documentos e certidões são exigidos: (i) inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (“CNPJ”); (ii) registro do Comércio; (iii) preenchimento de requisitos específicos, segundo a categoria, grupo ou setor de atividade em que se enquadrar o contribuinte; (iv) apresentação de qualquer outro documento, na forma estabelecida em ato expedido por autoridade competente; (v) prestação, por qualquer meio, de informações julgadas necessárias à apreciação do pedido; (vi) prestação de garantia ao cumprimento das obrigações tributárias em face de antecedentes fiscais que desabonem o interessado na inscrição ou os seus sócios (e.g., figurar em lista relativa à emissão de documentos inidôneos ou em lista de pessoas inidôneas elaborada por órgão da administração federal, estadual ou municipal) etc. Além disso, o contribuinte está sujeito à suspensão ou cassação da eficácia de sua inscrição a qualquer tempo, tudo conforme dispõe o RICMS/SP:7 Art. 20. No ato da inscrição deverá o contribuinte apresentar (Lei 6.374/1989, arts. 16, § 5.º, 17 e 18): I – provas de identidade e residência; II – prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda – CNPJ, quando obrigatória; III – documentos submetidos ao Registro do Comércio, quando exigido pela legislação federal. § 1.º Poderá, ainda, a Secretaria da Fazenda, antes de conceder a inscrição, exigir: 1 – o preenchimento de requisitos específicos, segundo a categoria, grupo 7. Idem.

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ou setor de atividade em que se enquadrar o contribuinte; 2 – a apresentação de qualquer outro documento, na forma estabelecida em ato expedido por autoridade competente; 3 – a prestação, por qualquer meio, de informações julgadas necessárias à apreciação do pedido; 4 – a prestação de garantia ao cumprimento das obrigações tributárias, em face de antecedentes fiscais que desabonem o interessado na inscrição ou os seus sócios. § 2.º São exemplos de antecedentes fiscais desabonadores, para o fim do item 4 do parágrafo anterior: (...) § 5.º Concedida a inscrição, a superveniência de qualquer dos fatos arrolados no § 2.º ensejará a exigência da garantia prevista neste artigo, sujeitando-se o contribuinte à suspensão ou cassação da eficácia de sua inscrição caso não a ofereça no prazo fixado. § 6.º Poderá a Secretaria da Fazenda estabelecer forma diversa de verificação dos documentos previstos no “caput”.

Tais pressupostos são os fatos jurídicos necessários que influem positivamente na formação do ato administrativo de inscrição válido. São os eventos prescritos pela norma jurídica administrativa (RICMS/SP) que, realizados um a um, formam o que chamamos de fato jurídico suficiente e engendram o ato administrativo de inscrição válido.8 Se validade é a qualidade de norma válida em decorrência de fato jurídico suficiente, então, para se produzir ato-norma administrativo válido, é necessário que se deem todos os pressupostos do ato administrativo, quais sejam: a) pressupostos fácticos e documentos exigidos como motivo do ato, b) respeito ao procedimento previsto normativamente, c) agente público competente e d) publicidade do ato administrativo de inscrição.9 4.1. Validade do ato jurídico da inscrição no Cadastro de Contribuintes, imposição à Diretoria de Informações da verificação e atualização mensal desses dados e competência para sua cassação, segundo as regras do RICMS/SP

O ato administrativo de inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS é norma jurídica individual e concreta que altera e inova o sistema do direito. Contudo, como toda norma jurídica, pode ser revogada ou invalidada em função de outro ato administrativo

8. Para aprofundamento das noções de validade e de fato jurídico suficiente em relação aos atos administrativos, ver SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Capítulo IV. Validade, eficácia e aplicação das normas jurídicas. p. 49 e seguintes. 9. Para detalhes dos pressupostos e elementos do ato administrativo, ver SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Op. cit. Capítulo V. O ato administrativo e sua estrutura. p. 69 e seguintes.

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produzido por autoridade competente. Neste sentido, dispõe a Portaria CAT-95/200610 (que revogou a Portaria CAT-19/2001): PORTARIA CAT – 95, de 24 de novembro de 2006 Dispõe sobre a suspensão, cassação e nulidade da eficácia da inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS e dá outras providências O Coordenador da Administração Tributária, tendo em vista o disposto nos arts. 30 e 31 do –RICMS/SP, aprovado pelo Decreto 45.490, de 30 de novembro de 2000, expede a seguinte portaria: CAPÍTULO I – DA SITUAÇÃO CADASTRAL SEÇÃO I – DO ENQUADRAMENTO Art. 1.º A inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS poderá estar enquadrada como: I – ativa; II – suspensa; III – inapta; IV – baixada; V – nula. SEÇÃO II – DA INSCRIÇÃO ATIVA Art. 2.º A inscrição será considerada ativa quando estiver regular perante o Cadastro de Contribuintes do ICMS da Secretaria da Fazenda. SEÇÃO III – DA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA INSCRIÇÃO Art. 3° A eficácia da inscrição será suspensa: I – quando o contribuinte comunicar a interrupção temporária das atividades; II – na data do pedido de baixa da inscrição até a do respectivo despacho conclusivo do Fisco; III – quando sua inatividade for presumida pelo Fisco nos termos do art. 4.º;11

10. Portaria CAT 95/2006. Disponível em: http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/ gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut. Acesso em 17.03.2014. 11. “Art. 4.º Será presumida a inatividade de estabelecimento (RICMS, art. 31, I e § 1.º, 2): I – na data em que ficar configurada a terceira omissão consecutiva da entrega da: a) Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, na hipótese de estabelecimento enquadrado no Regime Periódico de Apuração (RPA); b) Guia Nacional de Informação e Apuração do ICMS Substituição Tributária – GIA-ST, na hipótese de estabelecimento de contribuinte substituto tributário localizado em outra unidade federada;

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IV – na data em que o Fisco promover a inscrição de ofício do estabelecimento até a da regularização efetuada pelo interessado; V – preventivamente, antes de a inscrição ser considerada inapta: a) nas hipóteses previstas nos incisos II a VII do art. 31 do RICMS/SP; b) no enquadramento do estabelecimento como omisso ou não localizado; c) na constatação da inexistência de fato do estabelecimento; d) enquanto não forem comprovadas a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior, da empresa ou estabelecimento. Parágrafo único – Poderá ainda ser suspensa, preventivamente, a eficácia da inscrição: 1 – quando não for localizado o estabelecimento nas hipóteses previstas nos incisos I, III e IV do art. 30 do Regulamento do ICMS,12 sem prejuízo do disposto no art. 39;13 II – em 16 de julho de cada ano, na hipótese de estabelecimento enquadrado no regime tributário simplificado da microempresa e da empresa de pequeno porte que, cumulativamente: a) tenha perdido essa condição, em razão da não entrega até 31 de março de cada ano da declaração prevista no art. 3.º, III, do Anexo XX do RICMS; b) tenha deixado de entregar as Guias de Informação e Apuração do ICMS relativas aos meses de janeiro a junho do ano em curso. § 1.º O disposto neste Art. não se aplica ao estabelecimento que, em relação ao período de omissão, tenha efetuado recolhimento de imposto. § 2.º Para os efeitos deste art., a suspensão da eficácia da inscrição do estabelecimento, em razão de inatividade presumida, pressupõe, em princípio, a inexistência de dolo ou fraude. § 3.º Caso seja constatado, ainda que por meios indiciários, que a inatividade do contribuinte de algum modo se vincula a práticas fraudulentas tais como a simulação de estabelecimento ou de quadro societário ou com a indevida emissão de documentos fiscais, será aplicada ao caso, entre outras medidas determinadas pela administração tributária, a disciplina constante do Capítulo II.” 12. “Art. 30. A inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS será enquadrada como nula, a partir da data de sua concessão ou de sua alteração, quando, mediante processo administrativo, for constatada a (Lei 6.374/1989, art. 21, na redação da Lei 12.294/2006, art. 1.º, IV): I – simulação de existência do estabelecimento ou da empresa; (...) III – inexistência do estabelecimento para o qual foi concedida a inscrição; IV – indicação incorreta da localização do estabelecimento; (...).” 13. “Art. 39. Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo é (Lei 6.374/1989, art. 26, na redação da Lei 10.619/2000, art. 1.º, XV, e Convênio ICMS-3/95):

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2 – enquanto não forem comprovadas a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior, da empresa ou estabelecimento; 3 – nas demais hipóteses previstas nos arts. 30 e 3114 do Regulamento do ICMS, enquanto se adotam providências para instauração, instrução, processamento e conclusão do procedimento administrativo de cassação ou de constatação de nulidade, conforme o caso. I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; II – o custo da mercadoria produzida, assim entendido a soma do custo da matéria-prima, do material secundário, da mão de obra e do acondicionamento, atualizado monetariamente na data da ocorrência do fato gerador; III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente. Parágrafo único – A Secretaria da Fazenda, em regime especial, tendo em vista peculiaridade do contribuinte, devidamente comprovada, poderá fixar: (O § 1.º passa a denominar-se parágrafo único pelo Decreto 47.452 de 16-12-2002; DOE 17-12-2002; Efeitos a partir de 17-12-2002) 1 – em relação ao inciso I, que o valor da entrada mais recente da mercadoria seja obtido com base em período previamente determinado, preferencialmente dentro do mês da ocorrência do fato gerador; 2 – em relação ao inciso II, que o custo da mercadoria produzida seja o obtido com base em período determinado.” 14. “Art. 31. A eficácia da inscrição, nos termos de disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda, poderá ser cassada ou suspensa, de ofício, nas seguintes situações (Lei 6.374/1989, art. 20, na redação da Lei 12.294/2006, art. 1.º inciso IV, e Lei 12.279/2006): I – inatividade do estabelecimento para o qual foi obtida a inscrição; II – prática de atos ilícitos que tenham repercussão no âmbito tributário; III – indicação incorreta ou não indicação dos dados de identificação dos controladores ou beneficiários de empresas de investimento sediadas no exterior, que figurem no quadro societário ou acionário de empresa envolvida em ilícitos fiscais; IV – inadimplência fraudulenta; V – práticas sonegatórias que levem ao desequilíbrio concorrencial; VI – falta de prestação de garantia ao cumprimento das obrigações tributárias, quando exigida nos termos do art. 21; VII – falta de comunicação de reativação das atividades ou de apresentação de pedido de baixa de inscrição, após decorridos 12 (doze) meses contados da data da comunicação da interrupção temporária das atividades. VIII – falta de solicitação de renovação da inscrição no prazo estabelecido ou indeferimento do pedido de renovação da inscrição. (Redação dada ao inciso pelo Decreto 53.916, de 29-12-2008; DOE 30-12-2008)

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Além de todos esses instrumentos, PERIODICAMENTE o Fisco pode presumir a inatividade do estabelecimento, exercendo controle sobre a emissão das GUIAS de atividade do contribuinte, mediante ato de competência da DIRETORIA DE INFORMAÇÕES que, segundo o art. 5.º da Portaria CAT 95/2006, tem o DEVER de verificar mensalmente o Cadastro de Contribuintes do ICMS com a finalidade de identificar aqueles que se enquadrem na situação de inatividade presumida nos termos do art. 4.º .15

VIII – outras hipóteses não incluídas nos incisos anteriores. (Inciso acrescentado pelo Decreto 53.199, de 01-07-2008; DOE 02-07-2008) § 1.º A inatividade do estabelecimento, a que se refere o inciso I, será: 1 – constatada, se comprovada pelo fisco; 2 – presumida, se decorrente da falta de entrega de informações econômico-fiscais pelo contribuinte. § 2.º Incluem-se entre os atos ilícitos a que se refere o inciso II: (...) § 3.º A cassação da eficácia da inscrição de estabelecimento, em razão das hipóteses descritas nos itens 5 e 6 do § 2.º, sujeitará os sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente, às seguintes restrições, pelo prazo de 5 (cinco) anos, contados da data da cassação: (...) § 4.º Para efeito do disposto no inciso III, considera-se: (...) § 5.º Para o efeito do inciso IV, considera-se inadimplência fraudulenta a falta de recolhimento de (Lei 6.374/1989, art. 20, § 4.º, na redação da Lei 13.918/09, art. 11, V): (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 55.437, de 17-02-2010; DOE 18-02-2010; Efeitos a partir de 23-12-2009) (...) § 6.º Para efeito do disposto no inciso V, fica caracterizada a prática sonegatória que leve ao desequilíbrio concorrencial quando comprovado que o contribuinte tenha: (...).” 15. “Art. 4.º Será presumida a inatividade de estabelecimento na data em que ficar configurada a terceira omissão consecutiva da entrega da Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, na hipótese de estabelecimento enquadrado no Regime Periódico de Apuração (RPA) (RICMS, art. 31, I e § 1.º, 2). I – na data em que ficar configurada a terceira omissão consecutiva da entrega da: a) Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, na hipótese de estabelecimento enquadrado no Regime Periódico de Apuração (RPA); b) Guia Nacional de Informação e Apuração do ICMS Substituição Tributária – GIA-ST, na hipótese de estabelecimento de contribuinte substituto tributário localizado em outra unidade federada; II – em 16 de julho de cada ano, na hipótese de estabelecimento enquadrado no regime tributário simplificado da microempresa e da empresa de pequeno porte que, cumulativamente:

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Reitere-se, e merece destaque, o DEVER-PODER atribuído pela Portaria CAT 95/2006 e pelo RICMS/SP à DIRETORIA DE INFORMAÇÕES para fiscalizar e controlar periodicamente o fluxo de informações do contribuinte, promover o ato administrativo de alteração da situação de regularidade do contribuinte com a devida publicação no Diário Oficial do Estado do ato de cassação da eficácia das inscrições dos estabelecimentos e divulgar, nos termos do § 7.º do art. 535 do RICMS/SP, no módulo de “Informações” do Posto Fiscal Eletrônico da Secretaria da Fazenda, a listagem completa dos estabelecimentos que tiveram a eficácia de sua inscrição cassada e alterada sua situação cadastral, conforme dispõe o art. 5.° da Portaria CAT 95/200616 Art. 5.º A Diretoria de Informações verificará mensalmente o Cadastro de Contribuintes do ICMS com a finalidade de identificar aqueles que se enquadrem na situação de inatividade presumida nos termos do art. 4.º. § 1.º Os estabelecimentos identificados como presumidamente inativos terão sua situação cadastral alterada para “SUSPENSA”. § 2.º A Diretoria de Informações: 1 – encaminhará para publicação no Diário Oficial do Estado ato de suspensão da eficácia das inscrições dos estabelecimentos, expedido em nome do Chefe do Posto Fiscal de vinculação do estabelecimento, contendo todos os números das inscrições suspensas;

a) tenha perdido essa condição, em razão da não entrega até 31 de março de cada ano da declaração prevista no art. 3.º, III do Anexo XX do RICMS; b) tenha deixado de entregar as Guias de Informação e Apuração do ICMS relativas aos meses de janeiro a junho do ano em curso. § 1.º O disposto neste artigo não se aplica ao estabelecimento que, em relação ao período de omissão, tenha efetuado recolhimento de imposto. § 2.º Para os efeitos deste artigo, a suspensão da eficácia da inscrição do estabelecimento, em razão de inatividade presumida, pressupõe, em princípio, a inexistência de dolo ou fraude. § 3.º Caso seja constatado, ainda que por meios indiciários, que a inatividade do contribuinte de algum modo se vincula a práticas fraudulentas tais como a simulação de estabelecimento ou de quadro societário ou com a indevida emissão de documentos fiscais, será aplicada ao caso, entre outras medidas determinadas pela administração tributária, a disciplina constante do Capítulo II.” 16. Portaria CAT 95/2006. Disponível em: http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut. Acesso em 17.03.2014.

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2 – divulgará, nos termos do § 7.º do art. 535 do Regulamento do ICMS, no módulo de “Informações” do Posto Fiscal Eletrônico da Secretaria da Fazenda, endereço http://pfe.fazenda.sp.gov.br, a listagem completa dos estabelecimentos que tiveram a eficácia de sua inscrição suspensa, a qual poderá ser consultada por inscrição estadual – IE ou por CNPJ do contribuinte. 3 – transmitirá comunicação eletrônica para o contribuinte cujo estabelecimento teve a inscrição suspensa, desde que o contribuinte esteja previamente credenciado nos termos do art. 3.º da Lei 13.918, de 22 de dezembro de 2009. § 2.º A Diretoria de Informações encaminhará para publicação no Diário Oficial do Estado, por meio de edital, ato relativo à suspensão da eficácia da inscrição dos estabelecimentos, efetuada nos termos deste artigo, que será expedido em nome do Chefe do Posto Fiscal de vinculação do contribuinte.

Ou seja, o contribuinte torna-se idôneo mediante ato administrativo do Fisco. Para tornar-se inidôneo também exige ato administrativo – válido – emitido pelo Fisco por meio da Diretoria de Informações, em conformidade com os motivos do ato exigidos pelo RICMS/SP, que tem o dever de mensalmente exercer o controle sobre as atividades do contribuinte. 4.2. Dever de integração dos Fiscos Estaduais, perfil nacional do ICMS e instauração do Sintegra pelo Confaz, como instrumento de coordenação das informações sobre operações interestaduais

Com o objetivo de propor a coordenação nacional e o compartilhamento das Informações sobre as operações sujeitas ao ICMS, o Secretário Executivo do Confaz aprovou o Regimento do Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – Sintegra por meio do Ato Cotepe/ICMS 35, de 13.12.2002:17

ATO COTEPE/ICMS n. 35, de 13 de dezembro de 2002 Aprova o Regimento do Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – SINTEGRA. Art. 1.º O Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – SINTEGRA/ICMS é um sistema de intercâmbio de informações sobre operações interestaduais com mercadorias e serviços realizadas por contribuintes do ICMS no âmbito dos Estados e do Distrito Federal e intercâmbio de informações de interesse mútuo entre suas Administrações Tributárias e a Secretaria da Receita Federal – SRF.

17. Ato Cotepe/ICMS 35, de 13.12.2002. Disponível em: http://www1.fazenda.gov. br/confaz/confaz/Atos/Atos_Cotepe/2002/AC035_02.htm. Acesso em 16.03.2014.

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CAPÍTULO II DA ADMINISTRAÇÃO DO SINTEGRA Art. 3.º O Grupo de Trabalho do SINTEGRA – GT15 será composto por um representante de cada unidade da Federação e um da Secretaria da Receita Federal – SRF. Parágrafo único. As reuniões do GT-15 SINTEGRA serão comunicadas aos representantes das respectivas unidades federadas e da SRF junto à COTEPE/ICMS. Art. 4.º São atribuições do GT-15 SINTEGRA, especialmente: (...) VIII – propor mecanismos necessários à implantação do Sistema de Informações sobre Operações Interestaduais com Trânsito de Mercadorias – PASSE SINTEGRA; CAPÍTULO III DAS INFORMAÇÕES SOBRE OPERAÇÕES INTERNAS E INTERESTADUAIS COM MERCADORIAS E SERVIÇOS Art. 13. As unidades federadas deverão recepcionar mensalmente, conforme calendário por estas estabelecido, arquivo com informações digitalizadas relativas à totalidade das prestações e operações de entradas e saídas efetuadas pelos contribuintes estabelecidos em sua circunscrição, realizadas no mês anterior. Parágrafo único. O padrão das informações contidas no arquivo é o previsto no Manual de Orientação anexo ao Convênio ICMS 57/95, de 28 de junho de 1995. Art. 14 Caberá às unidades federadas agrupar as informações, devendo disponibilizá-las em rede para serem capturadas pelas demais, até o dia 15 (quinze) do mês subsequente ao da recepção. (destaques nossos)

Portanto, é DEVER das Unidades Federadas recepcionar mensalmente, conforme calendário por elas estabelecido, arquivo com informações digitalizadas relativas à totalidade das prestações e operações de entradas e saídas efetuadas pelos contribuintes estabelecidos em sua circunscrição, realizadas a cada mês anterior, de modo a compartilhá-las com outros Fiscos, especialmente, para efeito de atualização do Cadastro de Constribuintes do ICMS.

Como ensina Lourival Vilanova, o ser norma individual e concreta ou o ser fato jurídico são posições relativas de um mesmo enunciado normativo. Assim, o ato administrativo de inscrição no Cadatro de Contribuintes do ICMS e o ato administrativo de inidoneidade são normas concretas e individuais entre o Fisco e o contribuinte cadastrado ou declarado

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4.3. Entre normas e fatos. Efeitos dos atos administrativos de (i) inscrição no Cadastro de Contribuintes e (ii) inidoneidade: ambos são normas concretas e individuais entre o Fisco e o contribuinte cadastrado/inidôneo, mas funcionam como fatos jurídicos para outros contribuintes (terceiros)

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inidôneo. Contudo, da perspectiva de outros contribuintes (terceiros), são fatos jurídicos, ou seja, enunciados normativos que estipulam sobre a EXISTÊNCIA ou não de dada pessoa jurídica como SUJEITO DE DIREITO perante a legislação do ICMS. Portanto, uma coisa é pensar o ato declaratório de inidoneidade fiscal como norma jurídica que altera outra norma jurídica válida do sistema e apresenta como sujeito passivo único o contribuinte, que depende dessa norma para ser reconhecido como tal perante o sistema jurídico do ICMS. Outra coisa, completamente distinta, é a existência dessa norma em relação a terceiros contribuintes: aqui, ela funciona como fato jurídico da existência ou inexistência legal de dado contribuinte do ICMS. Tal distinção é fundamental. Pode-se alterar uma norma jurídica retroagindo seus efeitos (ex tunc) em relação à cassação da eficácia jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte cadastrado/inidôneo, mas não se pode retroagir a EXISTÊNCIA ou INEXISTÊNCIA JURÍDICA de um fato perante o ordenamento jurídico, modificando o suporte factual que orienta o comportamento do contribuinte-terceiro, que assimilou esse contexto factual operacionalizado pelo Fisco no momento da ocorrência do fato gerador do ICMS. 4.4. Existência (ou inexistência) de ato declaratório de inidoneidade e sua influência na conformação do fato gerador do ICMS nas operações realizadas pelos contribuintes-terceiros: o ato declaratório de inidoneidade funciona como FATO JURÍDICO para o contribuinte-terceiro na relação negocial

A presença ou ausência do ato declaratório de inidoneidade não configura mero instrumento procedimental do Fisco. O ato declaratório de inidoneidade funciona, também, como parte do suporte fáctico do fato gerador do ICMS, orientando a conduta do contribuinte como informação de fato: segundo o sistema jurídico positivo, esse contribuinte é reconhecido como idôneo ou não. O ser ou não pessoa jurídica inidônea é qualidade outorgada por norma jurídica produzida por autoridade pública competente para dispor sobre essa materialidade no sistema jurídico, é posição jurídica que depende de norma jurídica válida, no caso paulista produzida pela Diretoria de Informações. É o direito que também estipula quando ocorre o fato gerador do ICMS, segundo a Lei Complementar 87, de 13.09.1996 (“LC 87/1996”):18

18. LC 87, de 13.09.1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/lcp/lcp87.htm. Acesso em 16.03.2014.

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Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

Portanto, é no momento do fato gerador que se pode apurar o cenário jurídico em que se contextualizou o espectro decisório do contribuinte-terceiro de boa-fé. E a condição necessária nessa decisão é saber qual a SITUAÇÃO JURÍDICA da outra parte com a qual se realiza o negócio jurídico. O fato da passagem pela linha de fronteira não garante a legalidade da operação. Nem o fato da entrada no estabelecimento destinatário garante a lisura da operação, pois não obstante a “entrada física” da mercadoria no estado de destino, esse contribuinte pode não existir juridicamente. E convenhamos, pessoas jurídicas não existem senão juridicamente: não se “vê” pessoa jurídica, não aparecem em “fotografia” nem mesmo em cartão postal. Não se pode confundir a personalidade jurídica com a existência de estabelecimento operante: nada obsta que estabelecimento aparentemente inoperante exerça intensa atividade comercial, cumpra todas suas obrigações fiscais e pague seus tributos em dia. Mas esse contribuinte não é um problema para o Fisco! Reitere-se, a inexistência de estabelecimento operante é apenas um indício, parte do suporte fáctico, que funciona como motivo do ato para a efetiva declaração de INEXISTÊNCIA ou INIDONEIDADE da pessoa jurídica. Assim, o ato declaratório de inidoneidade fiscal ajuda a compor a própria materialidade do fato gerador, estipulando se a alíquota aplicável sobre a operação tributada é interna ou externa. Pretender alterar o estado de coisas (jurídico) que orientou a conduta tributária do contribuinte-terceiro de boa-fé implica retroagir a incidência da norma tributária no plano prático da aplicação do direito, burlando o princípio constitucional da irretroatividade das normas tributárias ex vi do art. 150, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (“CF/1988”). No caso concreto, os Autos de Infração demonstram que o Fisco paulista impôs à EMPRESA K o dever de, por si própria, verificar a idoneidade dos destinatários, INDEPENDENTEMENTE DA DECLARAÇÃO DO SINTEGRA, e não só no momento da venda, mas também após, quando da entrega das mercadorias.19 Sim, porque de nada adiantaria procurar tais informações de regularidade fiscal pe-

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5. DO ABSURDO JURÍDICO DA PRESENTE AUTUAÇÃO QUE PRETENDE PUNIR O CONTRIBUINTE EM RAZÃO DA DESÍDIA DA FAZENDA DE SP E DO DESCASO DO PRÓPRIO FISCO EM RELAÇÃO AO SEU SISTEMA DE INFORMAÇÃO: RESPONSABILIDADE DISPERSIVA, EXTRATIVISMO FISCAL, PRINCÍPIO DA COMODIDADE E UM EXEMPLO A SER SEGUIDO (THINKING OUTSIDE THE BOX)

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rante o Fisco: a Secretaria da Fazenda Estadual não oferece dados sobre os processos administrativos sofridos pelos Contribuintes e nem dá conta de atualizar o Sintegra de acordo com a sua obrigação de fiscalizar: afinal, ela pode declarar a inidoneidade retroativamente e afirmar que o contribuinte comete ato ilícito caracterizado por “sonegação institucional”: Diante do reconhecimento do fiscal de idoneidade da empresa, Junior questionou o que supostamente ele havia encontrado de errado. “Foi, então, que ele me disse que a EMPRESA K seria acusada de Sonegação Institucional, que consistia na conduta de uma empresa vender mercadoria na condição FOB para um estabelecimento irregular ou que desviou a mercadoria”, diz o Executivo, que esclarece que o fiscal deixou claro: “vocês faturam para um estabelecimento, mas o cliente desvia para outro estado”.20

Essa situação decorre de três problemas institucionais descritos adiante: (i) responsabilidade dispersiva, (ii) extrativismo fiscal e (iii) princípio da comodidade tributária. 5.1. Da responsabilidade dispersiva à irresponsabilidade injustificável: delegando ao contribuinte os deveres do Estado de fiscalizar e arrecadar tributos

Reiteramos que, segundo Slemrod e Robinson, a responsabilidade dispersiva (“RD”) é maior nos países que abusam de obrigações tributárias acessórias, delegando atribuições típicas do exercício do poder de polícia do Fisco para os contribuintes.21 Assim, 1920

19. A proporção das operações autuadas por este motivo (inidoneidade dos compradores) está refletida no item 2 deste Estudo. 20. Conforme documentário-descritivo preparado pelo jornalista independente, Rui da Silva Santos. 21. ROBINSON, Leslie; SLEMROD, Joel. Understanding Multidimensional Tax Systems. International Tax and Public Finance. April 2012, vol. 19, Issue 2. p. 237-267. Disponível em: http://link.springer.com/article/10.1007/s10797-011-9183-y. Acesso em 16.03.2014. “6. Conclusions: Income tax systems are multi-dimensional and not adequately summarized by the tax level and rate structure applied to the income tax base. Ignoring the non-rate, non-base aspects of income tax systems can introduce bias into empirical estimation of the impact of taxation. Although this concern has been widely noted, lack of comprehensive, comparable cross-country data on tax systems has until recently precluded a systematic analysis of the importance of this issue. Our analyses of 10 tax system aspects, codified based on OECD (2006, 2008), suggests that no pair of tax system aspects moves in lockstep across countries, but a factor analysis of the tax system measures indicates that a single factor can summarize the covariation, which we conceptualize with respect to whether

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é relevante analisar o que se esconde por detrás das “motivações” dos 30 Autos de Infração lavrados contra a EMPRESA K: em que o abuso de uma “responsabilidade dispersiva” culmina em uma IRRESPONSABILIDADE INJUSTIFICÁVEL, qualificada como abuso de poder e desvio de finalidade da competência para criar obrigações acessórias. É INJUSTIFICÁVEL a obrigação imposta aos contribuintes, de fiscalizarem-se uns aos outros, garantindo o cumprimento das obrigações tributárias uns dos outros, sob pena de ter contra si cobrado o imposto devido acrescido de multas em razão de ato ilícito praticado por outro contribuinte. Além disso, é importante ressaltar que em nenhum momento o Agente-Fiscal preocupou-se em fiscalizar os compradores que, em grande parte

collection responsibility is dispersed or centralized in the tax authority. We call this factor Dispersed Responsibility and offer it as a parsimonious measure that may be used in future empirical research incorporating non-rate tax system dimensions into the analysis. Proxies for non-rate, non-level aspects of tax systems are, with one exception, significantly correlated with one or more of the tax system aspects, with the extent of withholding and tax collection powers by far the most likely correlate. The pattern of sign correlations is almost identical across the proxies, both with respect to the tax system aspects and with respect to per capita income. This is true even though the proxies used in the past literature vary widely in what they intend to measure For example, some are intended to measure features of a country‘s institutions, such as Weak Law, while others purport to measure an outcome affected by many institutions, such as Noncompliance. Our investigation of what determines variation in tax systems reveals that a standard measure of trust in government is positively associated, holding other determinants constant, with administrative assessment, as well as more serious sanctions for non-compliance. Ethnic heterogeneity, individualism, and a history of external conflict also can explain certain aspects of tax systems in reasonable directions. Using the factor that emerges from our factor analysis as a summary tax system measure, we find that countries with greater trust in government are more likely to have a tax compliance atmosphere that views the government as primarily responsible for accurate income tax reporting. Finally, we investigate whether the new measures of tax system dimensions can shed light on the well-known cross-country empirical regularity that rich countries on average collect higher taxes or, depending on one‘s causal interpretation of the correlation, that high-tax countries are more prosperous. No smoking gun emerges from this exercise, although a measure of resources devoted to tax collection—the ratio of tax authority employees to the working-age population–does reduce the significant positive estimated coefficient of GDP per capita on the tax ratio, and attracts a significant positive correlation itself. This is only suggestive evidence that the extent of tax administration and enforcement is part of the story that explains the enduring statistical regularity”.

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(15, dos 41 Autos de Infração), tinham filiais ou sedes no próprio Estado de São Paulo, conforme gráfico abaixo:

Curiosa tal atitude do Fisco, que se exime de fiscalizar os efeitos fraudadores da lei, utilizando-se de presunção legal absolutamente abusiva. Afinal, será que esse dever de fiscalizar é realmente do contribuinte? Ou caracteriza-se como desídia do Fisco?

5.2. “Princípio da comodidade tributária”: o contribuinte é acusado sem provas e em decorrência da omissão do Fisco de fiscalizar e produzir provas

Reiteramos no Capítulo 5 deste livro que, sob a lógica do princípio da comodidade tributária, o Fisco não precisa provar para acusar o Contribuinte, é o Contribuinte que, acusado sem provas (pela inversão do ônus da prova), tem que provar uma situação jurídica que é da esfera da competência do Fisco dispor: trata-se, assim, de ato impossível para o contribuinte. Seguindo essa cômoda racionalidade, o contribuinte cumpre as suas obrigações tributárias, incorre em custos que deveriam ser suportados pelo Estado para pagar os seus impostos e fiscalizar o pagamento de impostos dos demais contribuintes e, ainda, fica sujeito à ulterior autuação em decorrência da INEFICÁCIA dos controles e da falta de confiabilidade dos atos de sua Diretoria de Informação ex vi do art. 5.º da Portaria da CAT 95. Fernando Rezende e José Roberto Afonso, dois conceituados economistas que vêm debatendo há anos as questões fiscais que assolam o País, já alertavam para a existência de um novo princípio tributário imperando

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no sistema tributário e regendo a relação Fisco x Contribuinte: o princípio da comodidade tributária. Funcionário de carreira do BNDES, atualmente cedido ao Senado Federal e lotado na Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira e Empregabilidade (CACFE), José Roberto Afonso, recorrentemente engajado em questões relativas à responsabilidade fiscal e reforma tributária, bem observou:22 Um problema aqui é a visão tosca de que o desempenho tributário deve ser medido pelo tamanho da arrecadação e, especialmente, pelo seu crescimento. Ora, ensinam manuais, experiências internacionais, arrecadar mais não é necessariamente arrecadar melhor. Porém isso tem sido ignorado no Brasil, dada a permanência imposta pelo ajuste fiscal promovido desde 1999, basicamente sustentado pelo aumento da carga tributária, nas três esferas de governo. Não adianta arrecadar muito, cada vez mais, sem se preocupar de quem e como se arrecada, com as repercussões econômicas e sociais dessa cobrança. É preciso vencer o princípio da comodidade tributária.

Autor de três livros sobre reforma tributária,23 Fernando Rezende, ex-presidente do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas, também olhando para a forma de arrecadação dos tributos, afirmou:24 A proliferação de regimes simplificados de arrecadação ocorreu à sombra de um novo “princípio” tributário, o da comodidade, pelo qual o melhor imposto é o mais fácil de arrecadar. Por ele, o sistema tributário pode ser revestido de uma capa aparentemente moderna, mas estabelecem-se regras de cobrança que o desvirtuam, em prejuízo da competitividade da economia e da proteção do contribuinte.

Embalado pelo movimento iniciado com as colônias de exploração, o Estado brasileiro tem, historicamente, retratado seu modelo fiscal extrativista apoiado no princípio da comodidade tributária, que vem travestido nas diversas modalidades de obrigações acessórias e nas presunções que, considerado o onipotente agente arrecadador, servem a tais objetivos. 22. Comentários ao paper de Sulamis Dain sobre Reforma Tributária. Econômica – Revista da Pós Graduação em Economia da UFF, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, p. 321. 23. REZENDE, Fernando. A reforma tributária e a federação. Editora FGV, 2009. REZENDE, Fernado; OLIVEIRA, Fabrício; ARAUJO, Erika. O dilema fiscal: remendar ou reformar?. Editora FGV, 2007; e REZENDE, Fernando. Desafios do federalismo Fiscal. Editora FGV, 2006, 24. Integração Regional e Harmonização Tributária: a perspectiva brasileira. Disponível em: http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=831634. Acesso em 16.03.2014.

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5.3. Pensando fora da caixa ou thinking outside the box: um exemplo da Suprema Corte Americana que recoloca os problemas do Fisco sob a responsabilidade do próprio Fisco, não permitindo sua delegação aos contribuintes

Os EUA não veem o tax competition sob uma perspectiva necessariamente negativa. Dado que: (i) os entes federados têm autonomia para determinação de seus próprios tributos, alíquotas e procedimentos; e (ii) não há um sistema institucionalizado de transferências, de modo que a receita de cada ente depende da própria arrecadação, o ambiente seria de um fair tax competition. O critério adotado para o Sales Tax nas transações interestaduais é o do destino, como de praxe (só o Brasil parece adotar tributação na origem, nos outros países ou é critério de destino ou a competência para transação interestadual é Federal). Recentemente, a Suprema Corte dos EUA proferiu decisão que nos traz uma reflexão: a devolução da complexidade tributária ao Fisco. No julgamento de um caso que envolvia a empresa Quill Corp (vendedora de mercadorias pela Internet) e o Estado de North Dakota, o Tribunal determinou que os “remote sellers” (vendedores que utilizam internet, serviços postais, entre outros) são isentos de recolher o “Sales and use tax” para vendas em Estados em que não possuam presença física, uma vez que não é razoável que conheçam todas as legislações de todos os Estados e municipalidades para os quais eles vendem, bem como por não haver nexo substancial entre eles e os Estados em questão.25 A decisão da Corte norte-americana, considerando que as vendas pela internet aumentaram substancialmente, faz com que bilhões de dólares não estejam sendo recolhidos aos Fiscos dos EUA. Por isso, os Estados têm despendido esforços imediatos para uniformizar as legislações a respeito do Sales Tax (Streamlined Sales Tax Agreement), com a finalidade de viabilizar sua cobrança. O acordo tende à simplificação tributária por meio de (i) definições tributárias uniformes; (ii) fiscalização e arrecadação uniformes; (iii) simplificação de alíquotas e (iv) financiamento estatal dos custos administrativos para implementação das medidas pelos contribuintes. Aqui não se admite que a complexidade seja suportada pelo Contribuinte, sendo devolvida aos Estados: para que possam cobrar o Sales Tax, os Estados norte-americanos terão de assinar acordos de harmonização

25. RIBEIRO, Leonardo Alcântara. A Guerra Fiscal do ICMS sob uma perspectiva comparada de competição tributária. Pesquisa realizada no âmbito do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas. Agosto de 2010. Disponível em: http:// invente.com.br/nef/files/upload/2011/05/16/5-1-a-guerra-fiscal-do-icms-sob-uma-perspectiva-comparada-de-competicao-tributaria-rev-1.pdf. Acesso em 17.03.2014.

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e submeter proposta legislativa ao Congresso. Bem diferente do que vem ocorrendo no Brasil: Literalmente, o que se vê é um Estado que quis delegar a sua responsabilidade fiscalizatória para uma empresa de iniciativa privada. A EMPRESA K sempre atuou dentro da legalidade e sua eficiência e honestidade atraíram a cobiça dos agentes públicos. E, na hora de serem julgados, esse sistema se omite e não se comunica. “Se a regra é ineficiente, não é a EMPRESA K que deve ser punida e provar que sempre agiu de boa-fé. Isso contraria toda a lógica”, explica o advogado Sandro Lenzi.26

Em 14.04.2010, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgou, em sede de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11.01.1973 (“CPC”),27 o Recurso Especial 26

6. DECISÃO DO STJ EM RECURSO REPETITIVO, A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, OS LIMITES PARA RESPONSABILIZAÇÃO DO CONTRIBUINTE E EFEITOS SOBRE O CASO CONCRETO

26. Conforme documentário-descritivo, preparado pelo jornalista, independente, Rui da Silva Santos. 27. “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1.º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. § 2.º Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida § 3.º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. § 4.º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. § 5.º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. § 6.º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

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1.148.44428 (“REsp”), interposto pela Fazenda do Estado de Minas Gerais (“MG”) em face da empresa Asa Distribuidora e Representações Comerciais Ltda. (“Asa Distribuidora”) .29 No caso julgado, a distribuidora mineira foi autuada pelo Fisco Estadual por ter apropriado créditos de ICMS decorrentes de mercadorias adquiridas de empresas inidôneas entre os anos de 1999 e 2004. A autuação somou mais de R$ 1 milhão, conforme noticiado pelo STJ em 6 de maio deste ano, após o julgamento do processo originado pela contestação ao Auto de Infração. A Ementa do julgado recebeu a seguinte redação:

§ 7.º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. § 8.º Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. § 9.º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.” 28. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.148.444/MG, rel. Ministro Luiz Fux. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento. asp?sSeq=950422&sReg=200900143826&sData=20100427&formato=PDF. Acesso em 16.03.2014. 29. A Lei 11.672, de 08.05.2008, que introduziu o art. 543-C no Código de Processo Civil, pretendeu inovar o ordenamento jurídico-processual impondo procedimento para impedir que as causas repetitivas, consolidadas por posicionamento do STJ, cheguem até este órgão, seja por meio de Recurso Especial, seja por meio de Agravo de Instrumento de Despacho Denegatório de Recurso Especial. A qualificação de uma causa como repetitiva levará em conta a multiplicidade de recursos discutindo a mesma questão de direito. Verificando o tribunal de origem que o processo a ser julgado trata de mesma matéria de direito que um processo ao qual foi dado o status de recurso repetitivo no STJ, poderá suspender a tramitação do Recurso Especial ou do Agravo até que o aquele órgão julgue a ação. Após ser julgado o processo e publicada a decisão do STJ, os recursos suspensos (i) terão seu seguimento negado caso o Acórdão recorrido corresponda à decisão do STJ ou (ii) serão levados a julgamento para apreciação do tema, caso o Acórdão recorrido divirja da orientação do STJ, tudo nos termos do § 7.º do art. 543-C, supracitado.

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PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 1. O comerciante de boa -fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação. 2. A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o art. 136, do CTN, segundo o qual “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato” (norma aplicável, in casu, ao alienante). 3. In casu, o Tribunal de origem consignou que: “(...) os demais atos de declaração de inidoneidade foram publicados após a realização das operações (f. 272⁄282), sendo que as notas fiscais declaradas inidôneas têm aparência de regularidade, havendo o destaque do ICMS devido, tendo sido escrituradas no livro de registro de entradas (f. 35 ⁄162). No que toca à prova do pagamento, há, nos autos, comprovantes de pagamento às empresas cujas notas fiscais foram declaradas inidôneas (f. 163, 182, 183, 191, 204), sendo a matéria incontroversa, como admite o fisco e entende o Conselho de Contribuintes.” 4. A boa-fé do adquirente em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado), uma vez caracterizada, legitima o aproveitamento dos créditos de ICMS. 5. O óbice da Súmula 7⁄STJ não incide à espécie, uma vez que a insurgência especial fazendária reside na tese de que o reconhecimento, na seara administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera efeitos ex tunc, o que afastaria a boa-fé do terceiro adquirente, máxime tendo em vista o teor do art. 136, do CTN. 6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08 ⁄ 2008.

O STJ deu ganho de causa por unanimidade ao contribuinte, após analisar basicamente três pontos: (i) existência de ato administrativo que declare a inidoneidade das notas fiscais, anteriormente à ocorrência do fato gerador; (ii) boa-fé do Contribuinte lesado e (iii) prova de que houve efetivamente a operação (entrega da mercadoria e pagamento ao fornecedor).

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A Fazenda alegava, basicamente, aplicação do art. 23 da LC 87/199630 combinado com o art. 136 do CTN (“CTN”)31 e retroatividade do ato declaratório da inidoneidade, pois este somente declararia uma situação de fraude que seria preexistente, tendo efeitos, portanto, também para os fatos geradores anteriores à sua publicação, verbis: Impende salientar que a publicação do Ato Declaratório de Inidoneidade é precedida de procedimento próprio, consistente na realização de diligências especialmente efetuadas com o objetivo de investigar a real situação do contribuinte e das operações por ele praticadas. Assim sendo, o processo que chega a conclusão de que determinado documento é inidôneo demanda tempo considerável (...). Mesmo porque, o Fisco só pode tomar conhecimento da prática de ação inidônea do contribuinte no momento em que está sendo praticada ou depois. De qualquer maneira, o reconhecimento formal da inidoneidade da nota fiscal só pode ocorrer depois do fato, quer dizer, quando o Fisco constata a fraude. Por isto, os efeitos da declaração de inidoneidade são ex tunc, ou seja, retroagem no tempo, posto que não é o ato em si que gera a inidoneidade do documento fiscal. Como o próprio nome diz, a declaração de inidoneidade apenas declara que a nota fiscal é inidônea, uma vez que a inidoneidade em si é um fato preexistente.

O contribuinte se defendeu expondo a sua dificuldade em fiscalizar seus fornecedores sem que haja um ato declaratório do Fisco publicado, e demonstrada a realidade das operações e sua boa-fé quando da aquisição das mercadorias e da consequente tomada de créditos. O STJ, ao analisar o art. 136 do CTN, entendeu que (i) ela seria aplicável ao alienante (infrator da legislação tributária) e (ii) a responsabilidade do adquirente de boa-fé consiste em exigir, no momento da celebração do negócio jurídico, a documentação relativa à regularidade fiscal do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco. Com relação ao ato declaratório de inidoneidade, decidiu que ele só produz efeitos após a sua publicação, não possuindo caráter declaratório de situação anterior. Nesse sentido, colaciona-se outro julgado no STJ, citado no Voto do Min. Luiz Fux nos autos no REsp 1.148.444/MG, já mencionado: :

30. LC 87/1996: “Art. 23. O direito de crédito, para efeitos de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação”. 31. Código Tributário Nacional: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.

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(...) o comerciante que realizou a operação de boa-fé, acreditando na aparência da nota fiscal, e demonstrou a veracidade das transações (compra e venda) não pode ser responsabilizado por irregularidade constatada posteriormente, referente à empresa já que desconhecia a inidoneidade da mesma.32

Ou seja, já basta o contribuinte ser obrigado a exigir documentos de regularidade fiscal das empresas com as quais se relaciona (compra ou vende), atuando como parafiscal da Fazenda do Estado. O caso julgado pelo STJ envolvia, imediatamente, glosa de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de mercadorias com notas fiscais declaradas inidôneas: a fraude aqui foi detectada no alienante e a responsabilidade recaiu sobre o adquirente. Se abstrairmos a situação concreta e analisarmos a questão de direito (até porque o STJ não examina questões de prova), veremos que a posição de alienante e adquirente em nada influencia a posição do STJ, especialmente quando da fixação de critérios para limitar a responsabilidade do Contribuinte em fiscalizar outros contribuintes. A questão de fundo era que (i) o Contribuinte autuado não podia ter feito nada além do que fez para cumprir a legislação tributária; (ii) o Contribuinte autuado agiu de boa-fé e efetivamente realizou as operações que ensejaram a incidência do ICMS e (iii) o Fisco teria tornado pública a inidoneidade de notas fiscais emitidas por determinados Contribuintes após a realização dos fatos geradores objeto da autuação. No caso concreto, verificamos que a EMPRESA K foi autuada por não ter comprovado a saída das mercadorias que vendeu para diversos clientes localizados fora do Estado de São Paulo, embora tenha vendido com cláusula FOB, sendo que tais clientes teriam sido declarados posteriormente inidôneos pelo Fisco. A questão de fundo, portanto, é que (i) o Contribuinte autuado não podia ter feito nada além do que fez para cumprir a legislação tributária; (ii) o Contribuinte autuado agiu de boa-fé e efetivamente realizou as operações que ensejaram a incidência do ICMS e (iii) o Fisco teria tornado pública a inidoneidade de notas fiscais emitidas por determinados Contribuintes após a realização dos fatos geradores objeto da autuação. Só o Fisco tem a voz autorizada para juridicamente dizer sobre a inidoneidade fiscal: o contribuinte não tem competência normativa para alterar o status normativo de outro contribuinte. Portanto, o ônus da prova

32. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 112.313/SP, rel. Min. Francisco Peçanha Martins. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199600692572&dt_publicacao=17-12-1999&cod_tipo_documento=. Acesso em 17.03.2014.

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do vendedor adstringe-se à própria logística normativa do ICMS. No caso sob análise, a EMPRESA K: (i) apresentou ao Fisco os comprovantes (canhotos das Notas Fiscais de Saída que acompanharam a mercadoria com o transportador), assinados pelo comprador, de que as mercadorias haviam sido entregues; (ii) comprovou que o negócio jurídico foi efetivamente realizado, não só pela entrega da mercadoria, mas também pelo pagamento do preço pelos compradores; (iii) demonstrou que tomava providências administrativas internas para cadastrar e conhecer cada transportador que viria retirar as mercadorias vendidas com cláusula FOB; e (iv) apresentou documentos comprobatórios da regularidade fiscal dos compradores perante a Receita Federal (cadastro CNPJ, no qual constam informações sobre a “atividade” ou “inatividade” da pessoa jurídica e a “aptidão” ou “inaptidão” daquele cadastro para efeitos fiscais) e, O QUE É SURPREENDENTE, perante o Fisco Estadual de São Paulo que, por meio do SINTEGRA, também atestava a idoneidade dos adquirentes. Que mais o Fisco pode pretender para comprovar as operações e a boa-fé da empresa? Ad absurdum, ainda que em cada operação FOB o contribuinte contratasse “fiscais” ou fosse fisicamente acompanhar o destino físico da mercadoria (filmando a passagem do caminhão pela divisa geográfica entre os Estados), o desembarque da mercadoria no Estado destino, a ulterior escrituração dos bens no livro entrada... todo esse cuidado e zelo de nada adiantariam, pois não servem para elidir a competência da Diretoria de Informações para emitir ato declaratório de inidoneidade fiscal: a primeira e a última palavra só podem ser do Fisco porque só ele detém a competência administrativa para dispor sobre inidoneidade fiscal. 6.1. Análise dos fundamentos subjacentes à decisão do STJ em relação ao presente caso: erro de sujeito passivo, princípio da comodidade fiscal e estímulo à indústria dos contribuintes inidôneos

É importante assinalar que tanto no caso julgado pelo STJ como no presente caso, o contribuinte autuado não é o que realizou a infração tributária: não foi a Asa Distribuidora que emitiu notas fiscais inidôneas; não foi a EMPRESA K que supostamente teria fraudado a cláusula FOB, desviando as mercadorias do efetivo destinatário, de acordo com o negócio jurídico pactuado. Há, portanto, erro de sujeito passivo em ambos os casos. No caso da Asa Distribuidora, a sujeição passiva da infração pela emissão de notas

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fiscais inidôneas é do contribuinte alienante que emitiu as notas fiscais e não recolheu o imposto. No caso da EMPRESA K, a sujeição passiva pela fraude à cláusula FOB e às regras do ICMS é do contribuinte adquirente que desviou as mercadorias do efetivo destino jurídico consignado no ato de aquisição das mercadorias. Em ambos os casos, é flagrante a opção por lavrar Auto de Infração contra o bom contribuinte, terceiro interessado na relação jurídica entre o Fisco e o Infrator, conforme, inclusive, pode-se aferir da narrativa descrita pelo jornalista Rui da Silva Santos: (...) Diante do reconhecimento do fiscal de idoneidade da empresa, Junior questionou o que supostamente ele havia encontrado de errado. “Foi, então, que ele me disse que a EMPRESA K seria acusada de Sonegação Institucional, que consistia na conduta de uma empresa vender mercadoria na condição FOB para um estabelecimento irregular ou que desviou a mercadoria”, diz o Executivo, que esclarece que o fiscal deixou claro: “vocês faturam para um estabelecimento, mas o cliente desvia pra outro estado”. O termo Sonegação Institucional pairou no ar. Os anos de experiência não foram suficientes para o Executivo entender essa infração. “Nunca tinha ouvido falar disso, mas mesmo assim questionei o fiscal: por que a empresa seria responsabilizada, tendo em vista que, pela condição FOB, a responsabilidade do frete é do destinatário?”. Sem resposta consistente, o Executivo insistiu e foi claríssimo, ao questionar a presença do fiscal na EMPRESA K. O agente fiscal explicou ao diretor da forma mais simples e direta. “Ele me disse que havia ouvido falar que, na EMPRESA K, ele conseguiria falar diretamente com o dono e nos outros estabelecimentos ele nem sequer seria recebido”.

Por que não se lavra o auto de infração contra o infrator? Contra os proprietários, sócios ou responsáveis pela pessoa jurídica que cometeu a infração? Será que é porque é mais fácil autuar o bom contribuinte e a chance de se arrecadar é maior? Assim o Fisco presta um grande (des)serviço à sociedade e ao sistema tributário, pois estimula o infrator e a indústria de contribuintes inidôneos, ao mesmo tempo que desestimula o bom contribuinte que paga seus impostos em dia e cumpre suas obrigações acessórias. Decidiu, portanto, muito bem o STJ, determinando que o contribuinte de boa-fé não possa ser sujeito passivo de infrações ou tributos estranhos à sua esfera de responsabilidade.

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6.2. Análise dos fundamentos subjacentes à decisão do STJ em relação ao presente caso: uso equivocado do art. 136 do CTN e da interpretação do termo “responsável” desse dispositivo

Na presente decisão do STJ, o recurso especial fazendário reside na tese de que o reconhecimento, na seara administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera efeitos ex tunc e que a alegação de boa-fé em nada socorre ao contribuinte, tendo em vista o que preceitua o art. 136 do CTN, segundo o qual “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”. Tal interpretação é insustentável. O art. 136 que abre a “Seção IV – Responsabilidade por Infrações”, quando trata da intenção do “agente ou responsável” refere-se ao agente ou ao responsável pela realização do próprio ato ilícito. Ou seja, o termo “responsável” no art. 136 designa a relação fáctica entre a pessoa do infrator e o ato ilícito. Refere-se à prática do ilícito e, por isso, se o ilícito for um fato objetivo, como não emitir nota fiscal, por exemplo, o fato da intenção ou não do sujeito titular do dever de emitir o documento fiscal, nesse caso, é irrelevante. Circunstância completamente diversa é pretender imputar a responsabilidade pela infração a terceiro estranho à órbita de ação do ato ilícito. Aqui, a prova da intenção é essencial e a boa-fé configura escudo jurídico inatacável. Conforme concluiu Daniel Monteiro Peixoto em sua tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), intitulada “Responsabilidade Tributária”:33 (...) os enunciados dispersos entre o art. 136 a 138 do CTN, cuidam de responsabilidade sancionatória-punitiva, vale dizer, cuidam da responsabilidade em paradigma penal, nesse sentido, restringem-se à pessoa do agente infrator e não se aplicam para responsabilizar outrem.

Foi nessa linha que o STJ entendeu: o art. 136 é inaplicável ao contribuinte de boa-fé. Nesse caso, que “a responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento do FATO GERADOR, da documentação pertinente à assunção JURÍDICA da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o art. 136 do CTN”.34 33. PEIXOTO. Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária: e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 123. 34. Cf. Acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.148.444/ MG, rel. Min. Luiz Fux. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ Abre_Documento.asp?sSeq=950422&sReg=200900143826&sData=20100427&formato=PDF. Acesso em 17.03.2014.

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Todo ato declaratório é constitutivo de 6.3. Análise dos fundamentos uma declaração que pretende propor a alterasubjacentes à decisão do STJ ção de uma situação jurídica do passado. Por em relação ao presente caso: outro lado, os atos constitutivos também são impossibilidade de a declaração de declaratórios da alteração de uma situação inidoneidade produzir efeitos ex tunc jurídica, contudo, seus efeitos jurídicos valem contra terceiro de boa-fé a partir do presente de sua enunciação, não alcançando o passado. Portanto, a questão de fundo é saber se o ato declaratório de inidoneidade fiscal pode ou não retroagir ao passado. A presença ou ausência do ato declaratório de inidoneidade não configura mero expediente interno procedimental do Fisco: o ato declaratório de inidoneidade compõe o suporte fáctico do fato gerador do ICMS, orientando a conduta do contribuinte que dá a saída da mercadoria. Ser ou não ser pessoa jurídica inidônea é qualidade outorgada por uma norma jurídica (o ato declaratório) produzida por autoridade pública competente para dispor sobre essa materialidade no sistema jurídico. O ser ou não pessoa de direito é posição jurídica que depende de norma jurídica válida, produzida por autoridade competente, conforme ensina Lourival Vilanova.35 Não se trata de ato que se encontra na esfera jurídica do contribuinte. Neste sentido, o ato declaratório de inidoneidade fiscal é norma individual e concreta entre o Fisco e o contribuinte declarado inidôneo, mas, ao mesmo tempo, é fato jurídico que orienta a própria materialidade do fato gerador do ICMS, pois estipula se a alíquota aplicável sobre a operação tributada é interna ou interestadual. Pretender alterar o arcabouço jurídico que orientou o pagamento do ICMS no momento da venda da mercadoria (fato gerador) implica retroagir a incidência da norma tributária no plano prático da aplicação do direito, burlando o princípio constitucional da irretroatividade das normas tributárias ex vi do art. 150, III, da CF/1988. Impecável, portanto, a inteligência do STJ na decisão que entendeu que o ato declaratório de inidoneidade fiscal só produz efeitos após a sua publicação, não possuindo caráter declaratório de situação anterior, porque o comerciante que realizou a operação de boa-fé, acreditando na aparência da nota fiscal, e demonstrou a veracidade das transações (compra e venda) não pode ser responsabilizado por irregularidade constatada posteriormente. Enfim, todo o zelo e cuidado dos contribuintes de boa-fé de nada valeriam para elidir, como no caso concreto, a pretensa força da presunção de validade de ulterior ato declaratório de inidoneidade fiscal produzido pelo 35. VILANOVA. Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 110.

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Fisco: a primeira e a última palavra só podem ser do Fisco porque só ele detém a competência administrativa para dispor sobre inidoneidade fiscal. Destarte, confirma-se aqui a tese da equivocidade do sujeito passivo. A norma confirmando a existência e regularidade de dado contribuinte compõe o suporte factual do fato gerador orientando a conduta do contribuinte-terceiro de boa-fé, portanto é inadmissível que esse ato possa retroagir. Contudo, nada impede que o ato declaratório de inidoneidade fiscal possa retroagir para alcançar o sujeito passivo que realizou o ato ilícito, pois esse é o autêntico responsável pela própria inidoneidade. 6.4. A perfeita adequação da questão da irretroatividade do ato declaratório de inidoneidade fiscal tratada na decisão do STJ, sob regime de recurso repetitivo, ao presente caso

A tese central decidida pelo STJ é a mesma do presente caso: impossibilidade de o Fisco responsabilizar contribuinte de boa-fé por operações com outro contribuinte que tenha sido declarado, posteriormente, inidôneo. Sendo assim, desde que o contribuinte demonstre a juridicidade de sua conduta nas operações interestaduais em conformidade com o arranjo fáctico e legal do momento do fato gerador do ICMS, o ato declaratório não pode alcançar o contribuinte-terceiro de boa-fé, sendo certo que para terceiros, o ato declaratório somente produz efeitos a partir da sua publicação.36 Além de tudo o quanto já exposto acerca da comprovação da boa-fé da EMPRESA K, merece ser ressaltado, ainda, que o próprio Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (“TIT”), ao julgar diversos dos Autos de Infração da empresa, decidiu pela inaplicabilidade do art. 173 do CTN, quanto ao prazo decadencial do Fisco, haja vista que a aplicação deste artigo pressupõe a comprovação de fraude. Trata-se de questão a ser dirimida mediante o procedimento de recursos repetitivos, já que a matéria de direito em controvérsia nos dois casos é a mesma. Devem, portanto, receber a mesma solução normativa, de acordo com o novo art. 543-C do CPC, conforme o entendimento que o STJ pacificou e consolidou nessa decisão.

36. Cf. Acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.148.444/ MG, rel. Min. Luiz Fux. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ Abre_Documento.asp?sSeq=950422&sReg=200900143826&sData=20100427&formato=PDF. Acesso em 17.03.2014. p. 11.

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C1. A questão central, objeto deste estudo, 7. DEZ CONCLUSÕES INSTITUCIONAIS já se encontra pacificada no STJ sob regime de recurso repetitivo: operações interestaduais de venda de produtos pela EMPRESA K, contribuinte de boa-fé, efetivamente realizadas com empresas consideradas IDÔNEAS à época da operação, mas que POSTERIORMENTE foram DECLARADAS INIDÔNEAS com efeitos retroativos. Ainda assim, os argumentos desenvolvidos neste estudo ajudam a colocar em perspectiva o arranjo fáctico do presente caso, as patologias do sistema tributário e a inteligência da decisão do STJ sobre o efeito e a impossibilidade de o ato declaratório de inidoneidade retroagir ao passado. C2. A qualidade de ser ou não contribuinte idôneo do ICMS paulista não é questão de fato. É matéria de direito que diz respeito à situação jurídica estipulada por autoridade competente definida pelo Fisco: é o RICMS/ SP e a Lei Paulista do ICMS que definem os pressupostos para a inscrição válida no “Cadastro de Contribuintes do ICMS”. Tais pressupostos legais (motivo legal) consolidam a realização do motivo do ato que fundamenta e legitima a produção do ato administrativo, norma jurídica individual e concreta, que inova o sistema jurídico reconhecendo dada pessoa jurídica como contribuinte do ICMS. C3. A situação de contribuinte idôneo ou inidôneo, portanto, depende da emissão de ato administrativo que constitua ou desconstitua essa qualidade, nos termos das exigências do art. 4.º da Portaria CAT 95/2006. Compete à Diretoria de Informações, ex vi do art. 5.º da Portaria CAT 95/2006, verificar mensalmente o Cadastro de Contribuinte do ICMS com a finalidade de identificar aqueles contribuintes que não se enquadrem nos pressupostos exigidos pela legislação, e expedir ato administrativo desqualificando a inscrição. C4. É dever das Unidades Federadas, ex vi do art. 13 do Ato Cotepe/ ICMS 35/2002, editado pelo Confaz, atualizar mensalmente o Sintegra com as informações relativas à totalidade das prestações e operações de entrada e saída efetuadas pelos contribuintes estabelecidos em sua circunscrição, de modo a compartilhá-las com outros Fiscos. Se o ato administrativo de constituição ou desconstituição da idoneidade do contribuinte é norma jurídica individual e concreta que inova o ordenamento jurídico e opera efeito normativo entre as partes (Fisco e contribuinte inidôneo), então, o contribuinte-terceiro não pode ser penalizado e obrigado a pagar imposto pela omissão de ato privativo da Administração Tributária. C5. Além disso, como norma jurídica individual e concreta, o ato declaratório de inidoneidade só pode atingir, com força de norma jurídi-

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ca, o contribuinte objeto dessa qualificação (de inidoneidade). Os demais contribuintes, que são terceiros face a essa relação, sofrem os efeitos dessa norma, pois ela se torna como fato jurídico que determina a incidência do ICMS: alíquota interna ou interestadual. Portanto, para o terceiro, o fato da idoneidade/inidoneidade informa e contextualiza o fato gerador do ICMS que ocorre com a saída da mercadoria de seu estabelecimento. Portanto, é situação que influi nos critérios da norma de incidência do ICMS. Assim, é inadmissível a pretensão de retroagi-la para atingir o contribuinte de boa-fé. C6. A ideia da responsabilidade dispersiva, informada pelo modelo histórico de extrativismo fiscal, ajuda a compreender a pretensa aplicabilidade do princípio da comodidade tributária, mas não pode justificar normativamente o abuso de poder do Fisco em punir e exigir ações do contribuinte que são de privativa competência dele (Fisco). Nesse sentido, é abusiva a interpretação do art. 23, § 3.º, da Lei Paulista do ICMS que pretenda punir o contribuinte em razão de ato omissivo privativo do Fisco. As comprovações exigíveis sobre a saída efetiva do território paulista limitam-se aos documentos exigidos e disponíveis pelo ordenamento jurídico, no momento do fato gerador, como a consulta ao Sintegra. O dever de fiscalizar outros contribuintes é do Fisco, cada contribuinte paga o imposto e arca com suas obrigações. C7. A decisão do STJ, em recurso repetitivo, pacificou essa tese de direito após analisar três pontos: (i) existência de ato administrativo que declare a inidoneidade, anteriormente ao fato gerador; (ii) boa-fé do contribuinte lesado e (iii) prova de que houve a operação efetiva em conformidade com os dados disponíveis pelo próprio sistema jurídico. Todos estes pontos estão presentes no caso concreto. Trata-se, ainda, de erro de sujeito passivo: se houve operação interna e não interestadual, a diferença entre a alíquota interna e a interestadual seria exigível do contribuinte adquirente. Se a mercadoria não saiu do Estado por ato ilícito do adquirente, este é que deve pagar a diferença do imposto, acrescido das multas, não o contribuinte alienante de boa-fé. C8. Não se pode imputar a responsabilidade pela infração a terceiro estranho à órbita de ação do ato ilícito. Aqui, a prova da intenção é essencial e a boa-fé configura escudo jurídico inatacável. Enfim, o art. 136 do CTN é inaplicável ao contribuinte de boa-fé, na mesma linha adotada pelo STJ, visto que a responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento do FATO GERADOR, da documentação pertinente à assunção JURÍDICA da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade, reitere-se, incumbe ao Fisco.

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C9. Além disso, o direito é fato e norma. Insisto, ainda, nessa ordem – fato e norma – pois a própria existência de norma depende de fato que lhe é anterior: o fato de sua produção envolvido no tempo histórico e no espaço social. Aqui, encontra-se Direito e Realidade e – parafraseando Nelson Rodrigues – podemos vislumbrar o Direito como ele é! Deveras, poderíamos encerrar este estudo aqui, pois os rastros, a inteligência e as referências que o próprio direito produziu permite-nos identificar solução normativa para o caso. Contudo, o mundo da vida nos bate à porta. Nem sempre há uma porta adequada na casa do direito para receber o mundo dos fatos: o portal de ingresso para o fáctico, nos domínios do Direito, que por sua natureza seletiva já é juridicamente estreito, fica ainda mais anguloso quando conjugado com a esfera lógico-moral da prática do mundo dos negócios (às vezes a melhor prática é calar-se e baixar a cabeça). É... Existem momentos em que o silêncio é a melhor resposta, ainda que não a única. E o silêncio também é fato, também é linguagem, comunica dramaticamente que não quer – ou que NÃO PODE – se comunicar. Mas também pode significar omissão; falta da verdade. C10. Enfim, este estudo não seria completo, nem suficiente, nem plenamente leal à realidade sem o anexo que se segue e que não pretende servir como prova, pois, segundo o próprio documento espontaneamente produzido, todas as provas já pertencem ao mundo jurídico: estão gravadas em inquéritos policiais, juntadas em assinaturas de termos de fiscalização e registradas na própria história que o direito escreve ao se autorreproduzir. Há segredos de Justiça, protegidos pela própria Justiça, inacessíveis ao cidadão, trancados em repartições que só a senha da autoridade pode alcançar. Faz parte da lógica da divisão e outorga de competência às autoridades judiciais, mas também é a lógica do pesadelo da personagem “Senhor K” de O processo (aliás, muito bem lembrado na introdução do documentário-descritivo do jornalista Rui da Silva Santos): “tão opressor quanto não saber por que se está sendo processado e condenado, é ver-se processado e executado sem poder contar a verdade!”! Diria que são pequenas informações como a exoneração do agente fiscal que iniciou os procedimentos de fiscalização que não são quase nada, mas não podemos esquecer, também, que o homem é quase um animal.

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